Por conta das últimas declarações de Jair Bolsonaro — uma mais inconcebível do que a outra —, muitos podem argumentar de maneira dura sobre a semana que passou. Comungo da estupefação generalizada, mas faço figa para que a sociedade brasileira esteja em débito com o presidente ao final do seu mandato. Como crianças teimosas, que só aprendem lições quando algo de realmente grave lhes acontece.
Agraciado por seus apoiadores com a alcunha de “mito”, o presidente resolveu fazer jus ao sentido fantástico do termo. Primeiro, jogando para o alto a narrativa de que em sua gestão só haveria espaço para indicações técnicas: “pretendo beneficiar filho meu, sim”, declarou, em alusão ao seu esforço para que Eduardo Bolsonaro assuma a embaixada em Washington.
Depois, ao garantir ser “mentira” que se passa fome no Brasil. O bom senso, essa avis cada vez mais rara quando se trata do atual governo, aconselha prudência antes de se fazer afirmações categóricas. Até porque podem surgir dados que as neguem, como de fato acabou acontecendo (segundo Relatório do Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe, divulgado pela ONU em novembro do ano passado, houve crescimento da fome no Brasil).
Sobrou fôlego para expor todo o seu preconceito contra os nordestinos, ao chamar um grupo de governadores da região de “paraíbas”, e caluniar a jornalista Miriam Leitão, garantindo que ela havia mentido sobre ter sido torturada durante a ditadura, além de ter participado da luta armada para instaurar um regime de exceção à esquerda no Brasil. Disparate esse que obrigou a Rede Globo a reagir de forma contundente em defesa da verdade dos fatos e da honra da jornalista.
Imagino, devem ter sido dias especialmente difíceis para os admiradores mais ferrenhos do presidente. Afinal, uma coisa é repudiar qualquer sinalização vinda da esquerda, apoiando-se no trauma provocado por Lula e o período de hegemonia petista. Outra é não ter sequer um espantalho para culpar. Nem mesmo a imprensa, quando o próprio Bolsonaro aparece de viva voz ofendendo a liturgia do cargo e a ética tão propagandeada durante a sua campanha.
Contudo, espero que também tenha sido um período dolorido para o restante dos brasileiros, a ponto de extrapolar o debate político e o ideológico. Espero, inclusive, que muitas semanas parecidas a esta última se sucedam.
Ainda que por meio de circunstâncias especiais, chegamos a ter um presidente do naipe de um Fernando Henrique Cardoso. Lula veio depois e, noves fora todo o cenário que permeou seus mandatos, do ponto de vista ético e criminal, eles faziam sentido. O mesmo não pode ser dito em relação a Dilma Rousseff. Idem para a consagração de alguém tão rude e inepto como Jair Bolsonaro.
Aquele que hoje ocupa o cargo de presidente da República sempre articulou em favor dos seus durante as décadas em que foi deputado. Jamais se preocupou com questões como a miséria ou a fome. Cansou de espezinhar minorias por meio de palavras e foi capaz, em plena Câmara, de enaltecer um comprovado torturador.
Que Jair Bolsonaro incomode é um bom sinal, mas não que surpreenda. A minha torcida é para que, ao final deste pesadelo, tenhamos aprendido alguma coisa. Quem sabe, a parar de usar o voto como instrumento de autoflagelo.