Em Como as democracias morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt elencam quatro sinais que identificam um regime autoritário: rejeição das regras democráticas, negação da legitimidade dos oponentes políticos, propensão a restringir liberdades civis básicas de rivais ou da mídia e encorajamento ou tolerância à violência.
Não há menção ao exército nas ruas, toque de recolher, jornalistas sendo presos ou imprensa censurada, como frequentemente se dá em regimes de exceção, contudo o cenário desenhado é de um nível de deterioração institucional é inaceitável para sociedades que prezam a democracia. É também uma descrição fiel do governo de Jair Bolsonaro.
Segundo reportagem do Estadão (Andreza Matais e Vera Rosa), no dia 8 deste mês o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, lançou mão de um interlocutor para fazer chegar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que não haveria eleições ano que vem sem voto impresso e auditável. Por meio de nota oficial, o ministro negou ter usado intermediários, porém não foi peremptório ao negar as ameaças.
Em um contexto que abarca o flagrante avanço dos militares sobre as instituições, não raro deparamos com argumentos na imprensa e no debate público sobre o iminente risco de uma ruptura democrática.
O temor faz sentido. Bolsonaro já deu inúmeras provas de desprezo pelas regras do jogo democrático, e é difícil imaginar que hesitaria em transgredi-las para permanecer no poder. Não obstante, convém refletir sobre a cristalização de uma ideia estereotipada de golpe de Estado.
Fica parecendo que só no caso de Bolsonaro se recusar a aceitar uma derrota eleitoral em 2022 e incitar suas milícias para barbarizar o país, como fez Donald Trump no Capitólio, teremos motivos para reagir.
Ou que, como apressou-se em negar o vice-presidente, general Hamilton Mourão, somos uma república das bananas. Daquelas onde num sopro eleições são canceladas, só porque o alcaide decidiu mudar as regras em cima da hora.
Pouco ajudou, diga-se, que nos últimos dias o ex-prefeito de São Paulo e candidato à presidência, Fernando Haddad, tenha usado suas redes sociais para falar em “fraude eleitoral de 2018”. Tampouco o fato de há anos o PT sustentar publicamente a fantasia de que Dilma Rousseff foi vítima de um golpe para ser apeada da presidência.
Vulgarizar termos que não passam pelo crivo de uma melhor contextualização histórica, como é o caso de “golpe”, pode ser tão danoso à democracia quanto perigos concretos. A começar porque damos como certa uma fragilidade institucional que desde o fim da ditadura não se verifica no país. Sobretudo porque acabamos criando uma espécie de sarrafo para nossa indignação.
No fim das contas, cogitar a possibilidade de um golpe clássico acaba sendo um favor a Jair: sugere que só tanques nas ruas podem ameaçar a democracia. Faz pensar que ainda está para acontecer o que na prática já está em curso.
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