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Nem “impeachment já!”, nem “intervenção militar já!”, tampouco “lockdown total”. Nossa queda por slogans fáceis e soluções drásticas encontrou um obstáculo incontornável na nefasta sincronia entre o pior presidente desde a fundação da República e a maior tragédia sanitária em cem anos. Não há fórmula mágica para sairmos do atoleiro em que nos enfiamos. Não há desvios. Tanto suplício terá fim, mas o caminho será penoso.
Quem me acompanha neste e em outros espaços conhece a minha posição sobre o impeachment. A princípio, fui contra o de Dilma Rousseff e só capitulei quando o TCU condenou as contas da presidente. Se sou a favor do de Jair Bolsonaro — apesar de reconhecer que o instituto virou biombo para que a sociedade fuja de seus arrependimentos — é porque o capitão extrapola os limites da incompetência. Para além do autoritarismo e dos vários crimes de responsabilidade cometidos.
Vale dizer, contudo, que já pacifiquei meus arroubos golpistas. Não teremos impeachment. Jair soube escolher o momento certo para rasgar de vez a bandeira da nova política — a qual nunca passou de miragem. Acomodado no colo do Centrão, o presidente pode não mandar como gostaria, mas garantiu sua sobrevivência e a chance de tentar se reeleger.
Não teremos o afastamento do capitão, muito menos um golpe de Estado. Houve quem visse nas saídas do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica a antessala de uma ruptura democrática. Não foi o meu caso. Ao contrário, o sinal foi o pior possível para aqueles que sonham com a volta da ditadura. Recado inequívoco de que as Forças Armadas podem até ter enxergado em Bolsonaro um esteio para alcançar mais poder, entretanto não admitem ser manipuladas e menos ainda repetir erros do passado.
Também não teremos um fechamento total do país. Dentre os vários motivos, porque mais de 100 milhões de brasileiros — a enorme maioria sem nem mesmo acesso a esgoto sanitário — não podem deixar de sair de casa para trabalhar se quiserem ter o que comer. Além de um plano assim ser inexequível, é tarde demais para evitar a maior tragédia humanitária na história do Brasil.
Para que o morticínio de mais de meio milhão de brasileiros fosse evitado, desde o início o governo federal deveria ter coordenado campanhas de conscientização e estimulado o isolamento social. Deveria ter incentivado o uso de máscaras. Deveria ter negociado para que o valor do auxílio emergencial fosse menor e, assim, mais prolongado. Deveria ter se antecipado à corrida global por vacinas e fechado parcerias com laboratórios envolvidos em pesquisas para a descoberta e fabricação de imunizastes. Em suma, deveria ter feito o exato oposto do que acabou fazendo.
Sem impeachment, sem lockdown e felizmente sem golpe de Estado, resta a todos nós, dos radicais aos moderados, passando pelo mais variados matizes políticos, reconhecer que estamos condenados a viver o capítulo mais trágico de nossa vidas.
Há de passar, mas sem atalhos.