“[…] dar foco para o fato de já terem se passado três meses, ministro. Em um trimestre, não é possível que o senhor apresente um powerpoint com dois, três desejos para cada área da educação. Cadê os projetos? Cadê as metas? Quem são os responsáveis? Isso daqui não é planejamento estratégico, isso aqui é uma lista de desejos. E, eu quero saber, onde que eu encontro esses projetos? Quando cada um começa a ser implementado? Quando serão entregues? Quais são os resultados esperados? São três meses. A gente consegue fazer mais do que isso.
Uma segunda pergunta é sobre o aparelhamento ideológico do ministério. Eu não vou ficar discutindo fumaça. Não vou ficar falando que sou contra o Escola Sem Partido, etc., etc., porque eu sou contra, mas não acho que seja isso o que importa. A gente precisa de profissionais preparados em gestão e educação. Se tem uma coisa que eu aprendi nos últimos anos, como cientista política e ativista pela educação, é que o nosso maior desafio não é ficar fazendo lista de desejos, não é criar objetivos, é implementar de fato. E a gente não implementa sem um corpo preparado. Sem pessoas que tenham experiência. E não dá para acreditar que, com uma troca tão constante do alto escalão, com uma troca tão constante de projetos, essa paralisia vá levar ao sucesso da educação brasileira. A nossa educação hoje… por experiência própria, a falta que ela faz nas periferias, mata. Para mim não tem coisa mais importante do que essa, e eu esperava muito mais do senhor em três meses de trabalho.
[…] Senhor ministro, acho que um resumo dessas quase quatro horas de reunião é que muitos de nós não viemos aqui esperando resultados, são três meses afinal, mas, sim, algum indício de que havia um planejamento estratégico, de que haviam metas, de que haviam dados, de que haviam projetos reais e não apenas uma lista de desejos. Eu também estou no meu primeiro mandato, eu também estou aqui para construir, mas saio desta reunião extremamente decepcionada e sentindo que a sua incapacidade de apresentar uma proposta, de saber dados básicos e fundamentais, é um desrespeito, não só à educação, não só ao ministério, não só ao parlamento, mas ao Brasil como um todo. Cada vez que o senhor falava “vou chamar o meu secretário”, “posso chamar não sei quem”, me vinham à cabeça duas perguntas: como é possível gerir uma pasta tão complexa, tão grande, tão importante, como é o MEC, sem conhecer os dados? Eu não conheço um bom gestor que não saiba um mínimo do que está fazendo. Que não saiba nada sobre gestão. E eu me perguntava também se o senhor estudou para essa reunião.
[…] Eu queria concluir, senhor ministro, perguntando se o senhor tem a mínima noção da gravidade e da seriedade que isso representa. Eu perdi o meu pai para as drogas, eu perdi amigos e vizinhos para a violência, para o crime, e tenho a plena consciência de que se eles tivessem completado o ensino fundamental, se tivessem tido qualquer chance na educação, não teriam morrido tão jovens. Quando a gente fica nessa brincadeira de fumaça, quando a gente fica nessa discussão ideológica, quando a gente não fala do que importa porque é difícil de implementar, estamos dizendo que, sim, é “ok” perder uma nação inteira que nunca teve oportunidade. Eu não espero mais nenhuma resposta, já entendi que isso não vai acontecer, então a mim resta lamentar o que está acontecendo, continuar o meu trabalho na educação, que não começa com este mandato, e esperar que o senhor mude de atitude, o que parece completamente improvável, ou saia do cargo de ministro da Educação. Obrigada.”
Proferido na última quarta-feira (27), o discurso acima não passou despercebido do noticiário. Viralizou, como se diz hoje em dia.
Algo que, em primeiro lugar, se deu pelo fato de a reprimenda ter ido ao encontro do que boa parte da população, preocupada com os seguidos tropeços e patente despreparo no comando do MEC, gostaria de poder dizer ao ministro da Educação, o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez.
Em segundo, porque foi concebida pela deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP).
Não foram poucas as sensações que a postura da jovem congressista me fez experimentar por meio da sua fala. Acima de todas a admiração — que se tornou ainda maior após conhecer sua trajetória. Confesso, sabia pouco. E fiquei genuinamente enternecido ao descobrir que se tratava de mais um desses exemplos improváveis em meio a uma sociedade tão desigual quanto a nossa: menina da periferia, mesmo enfrentando tantas dificuldades e uma vida permeada por dramas que não ouso medir, foi capaz de plantar, graças aos próprios talento e esforço, o sucesso que agora começa a colher.
Contudo, o histórico e merecido sabão imposto por Tábata a Vélez não provocou apenas sentimentos alvissareiros. Também pôde ser notada uma reação feroz em ambos os lados do pátio ideológico. Vinda, acima de tudo, de uma parcela importante da esquerda.
O mais lamentável nesse levante da turma que se vende como progressista foi a incontestável verdade entranhada em cada um dos argumentos — de que a parlamentar apoiava o presidente interino venezuelano, Juan Guaidó, de que fora ajudada pelo bilionário Jorge Paulo Lemann, e de que pondera sobre a reforma da Previdência em vez de rechaçá-la de pronto: Tábata assusta por se tratar de um raro exemplo de autêntico frescor na cena política. Pior ainda, ofende pelo simples fato de tolerar quem pensa diferente, quando reconhece o bom senso, não importando quem o apoie.
Enfatizo a reação de pessoas à esquerda do espectro político uma vez que, não resta dúvida, é onde Tábata se coloca, não por acaso engrossando as fileiras do PDT. Todavia, não faltaram argumentos críticos da nossa dita direita seguindo a mesma linha de raciocínio. O perigo, defendem os pseudoconservadores — no fundo tão radicais e intransigentes quanto os mais ferrenhos petistas —, reside precisamente na capacidade de dialogar da deputada.
Esquerdistas ou conservadores, no fundo, tanto faz. No fim das contas, os fanáticos se assemelham. Não concebem um mundo para além dos extremos. Não reconhecem quem se posiciona de forma ponderada e ambos morrem de medo que o rentável jogo da polarização ideológica tenha um fim.
O naipe dos ataques recebidos por Tábata Amaral é detestável por escancarar o desejo dos intolerantes em manter a sociedade no cabresto, à mercê de seus projetos de poder e desatinos, como essas absurdas comemorações que acontecem hoje pelo nascimento de uma ditadura sanguinária. Entretanto, não deixa de ser um bom indício. Sinal de que, sim, é possível reverter essa nefasta ciranda em que só quem tem a perder somos nós, a maioria dos brasileiros, cansados de tanto envenenamento e doutrinação.
A deputada é jovem e está apenas começando, mas, para este escriba não resta dúvida, já nos mostra o caminho.