Uma notícia grotesca tomou conta do noticiário há poucos dias: ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmava que chegou a entrar no Supremo Tribunal Federal armado, com o intuito de assassinar o ministro Gilmar Mendes. Cometeria suicídio em seguida. Carentes todos somos, mas a sanha de Janot pelas manchetes impõe ajuda psiquiátrica.
Talvez ainda mais bizarro do que a própria revelação tenha sido o volume de ponderações a seu respeito. Além de gracejos sem sentido, houve quem relativizasse o impulso criminoso de Janot. Afinal, o ministro Gilmar “sempre teve pouco escrúpulo”, chegou a comentar a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), embora depois tenha se arrependido.
A nossa capacidade para escavar o fundo do poço parece infinita, porém, admito, não imaginei que a febre ideológica tivesse chegado ao ponto de fazer com que “um tiro na cara” pudesse ser tomado como motivo de comédia.
Posto e redobrado o cenário de falência moral, eis que surge a possibilidade de os palhaços vestirem a carapuça. Já aconteceu em outras situações durante os últimos anos. Não poderia ser diferente agora. No fim das contas, trata-se de uma sociedade que entende o debate político como um jogo de futebol. E ela própria como uma torcida imbuída do dever de se esgoelar na arquibancada.
A partir de segunda-feira, Gilmar Mendes, aquele mesmo do “mal secreto”, avesso à Lava-Jato, que solta bandidos, outrora admoestado por Joaquim Barbosa e Luís Roberto Barroso em reprimendas celebradas em uníssono pela vigente tribuna moral, passou a ser tratado como rei. A hipótese da sua execução mereceu ironias, mas ele agora merece afagos.
O motivo para essa transformação em massa de posicionamentos é simples: Mendes resolveu suspender processos envolvendo a quebra de sigilo do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) no caso Queiroz.
Eis a barafunda em que o nosso historicamente ínfimo poder de análise encalhou. Já não basta idolatrar políticos. Tampouco comprar o falatório de populistas e tratá-los como se salvadores da pátria fossem. Parece até que, de tão abundante, o nosso apreço pelo papel de fã precisava extrapolar.
Sei bem, esse viés não é novo. Barroso tem muitos admiradores. O mesmo vale para Cármen Lúcia. Celso de Mello os tem, assim como os teve Joaquim Barbosa. Curiosamente, Dias Toffoli, antes visto como o próprio capiroto, hoje é poupado de críticas.
Talvez eu seja emotivo além da conta. Talvez tenha ficado exageradamente pasmo com a facilidade de muitos em tratar as declarações de Janot de maneira tão trivial. Pode ser. Todavia, esse episódio serviu para expor tanto imaturidade quanto uma generosa dose de desonestidade intelectual de nossa parte.
Não há de ser por acaso que os políticos não nos levam a sério.