“Rússia, se você estiver me ouvindo, eu espero que consiga encontrar os 30.000 e-mails que estão faltando”. O apelo, feito em julho de 2016 por Donald Trump, chocou os Estados Unidos. Pela primeira vez na história um candidato à Casa Branca exortava um governo estrangeiro — de quebra rival histórico — a interferir em uma eleição presidencial.
Pois Trump resolveu dobrar a aposta. E não apenas ao solicitar publicamente que um Estado se intrometa no processo eleitoral americano, mas também ao repetir tal estratégia contando com um país pouco interessado no benefício dos americanos: a China.
Mais cedo, nesta quinta-feira (03/10), o presidente disse o seguinte: “A China deveria começar a investigar a família Biden porque o que houve lá foi ainda pior do que o que aconteceu na Ucrânia”.
A declaração se dá na esteira da abertura do processo de impeachment motivada por um telefonema entre Trump e o presidente ucrâniano, Volodymyr Zelensky, em que o mandatário americano pede para que uma investigação seja aberta contra Joe Biden e seu filho, Hunter.
É como se o candidato à reeleição mandasse um recado. Ele não precisa se esconder. Tanto faz se o pedido de ajuda é feito na surdina ou com todas as letras. Às favas com o choro dos democratas e a indignação dos constitucionalistas.
Não resta dúvida: do ponto de vista do protocolo esperado em uma disputa eleitoral importante, este comportamento beira o acintoso. E isso mesmo para um ambiente tão polarizado como o americano, em que a dicotomia entre republicanos e democratas se confunde com a própria fundação do país.
Contudo Trump não deixa de demonstrar força. E muita.
Há entre os apoiadores mais próximos do presidente a preocupação de que a postura reativa não seja suficiente para lidar com uma situação delicada como a ameaça de um impeachment. Entretanto seria ingenuidade supor que a esta altura o presidente deixasse de adotar uma conduta personalista no poder para seguir quaisquer protocolos.
Ao bancar o seu estilo, inclusive os seus abusos, Donald Trump demonstra, principalmente para a sua base, que não teme as ameaças dos democratas. Ao mesmo tempo esvazia a denúncia, banalizando-a por meio da repetição.
A hipótese de que o presidente americano seja afastado do poder ainda é remota. A maioria no Senado impõe esta reflexão. O ponto agora, dado que Nancy Pelosi decidiu abrir o processo, é ver quem tira mais proveito dele.