Eis que, na última quinta-feira, um surto de otimismo tomou conta das Bolsas mundo afora. Para além do movimento de manada afeito aos mercados, o entusiasmo tinha fundamento: Estados Unidos e China concordaram em retomar o diálogo sobre uma guerra comercial vigente há quase dois anos. O encontro deve acontecer em Washington D.C. e está previsto para o início de outubro.
Faz sentido ponderar as vantagens que graças à disputa acabam surgindo para países como o Brasil. E não são apenas as nações periféricas que se beneficiam, a União Europeia também. Na prática, qualquer um com condições de suprir as demandas deixadas inassistidas pelo embate entre as duas potências. A longo prazo, contudo, o saldo tende a ser desastroso.
Não bastasse o temor de que uma recessão global esteja se aproximando — de todo modo um evento cíclico —, o cabo de guerra entre chineses e americanos teria capacidade para, além de acelerar, aprofundar tal processo.
Todos perderiam. Porém ninguém mais do que Donald Trump.
Desde que se lançou candidato, Trump fez questão de ancorar sua retórica eleitoral na sua habilidade para fazer bons negócios em favor do país e na geração de empregos. O tom agora, às vésperas de tentar outro mandato, não mudou. “Vocês podem me amar ou me odiar, mas não têm outra saída a não ser votar em mim”, chegou a declarar há menos de um mês, durante comício no estado de New Hampshire.
Mesmo considerando uma habilidade incomum para mistificar fatos históricos, descontextualizar adversários e enfrentar a imprensa, o candidato republicano à reeleição não pode permitir que a narrativa central de seu governo e campanha deteriore.
O problema é que, para além do duelo de narrativas, sobremaneira importante hoje em dia, Trump já enfrenta desafios internos por conta da corrida tarifária com Xi Jinping. Desde o ano passado, o governo americano já gastou U$ 31 bilhões em subsídios para o agronegócio; gigantes do varejo como a Target se recusam a arcar com os custos impostos pelas novas taxas e começam a ter embates com seus fornecedores; a Apple sinaliza que pode perder em competitividade, especialmente para a Huawei.
O cenário está posto e não seria exagero dizer que o presidente americano armou para si próprio uma arapuca. Trump costuma repetir que a China está desesperada por um acordo, mas quem disputa uma eleição ano que vem é ele. E os chineses sabem disso. Como a democracia — sujeita a freios e contrapesos, sindicatos e imprensa livre —, assim também são os Estados Unidos. Não a China.
Um acordo seria bom para todos. Porém ninguém respiraria mais aliviado do que o presidente americano.
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