Como sabemos todos, se houve um termo que virou arroz de festa nos últimos anos foi “golpe”. Mérito da esquerda, indignada com o processo de impeachment sofrido por Dilma Rousseff e a prisão de Lula, embora até hoje tenha sido incapaz de assumir seus próprios crimes durante os 13 anos em que o país ficou sob a batuta do PT. Contudo, eis que chega a administração Bolsonaro para redefinir os parâmetros.
Enquanto escrevo estas linhas, Joaquim Levy ainda é presidente do BNDES, mas o seu futuro já está selado. Levy entregará o cargo, mas não por escolha própria. Nem tampouco da maneira como deveria, caso o governo tivesse um pingo de decência e compostura exigidas para tocar o Brasil.
Durante a tarde de ontem, o presidente da República humilhou publicamente Levy, dizendo: “Já estou por aqui com o Levy. Falei para ele: demita esse cara na segunda-feira ou eu demito você sem passar pelo Paulo Guedes”. No caso, “esse cara” é Marcos Barbosa Pinto, mestre em Direito pela Universidade de Yale (EUA) e doutor pela Universidade de São Paulo (USP). O pecado dele foi ter sido chefe de gabinete de Demian Fiocca, na presidência do BNDES, durante o governo Lula.
Não ficou só aí. Tal e qual um toureiro que espeta as últimas espadas no dorso de um animal moribundo, o ministro da Economia também veio a público fazer a sua avaliação sobre o tema: “Eu entendo a angústia do presidente. É algo natural ele se sentir agredido quando o presidente do BNDES coloca na diretoria do banco nomes ligados ao PT. Ninguém fala em abrir a caixa-preta e ainda nomeia um petista. Então, fica compreensível a irritação do presidente.”
Mais não precisaria ser dito; os comentários de ambos, presidente e ministro, falam por si. Entretanto é necessário colocar como as coisas são. Principalmente quando o governo segue dando sinais inequívocos de que não só é débil ao administrar, mas também raso no que diz respeito à questões que envolvem caráter.
Ao expor Levy, Bolsonaro repetiu a fórmula adotada para se livrar de Gustavo Bebianno: fritura pública via imprensa. Uma estratégia que extrapola o pouco elegante na hora de exonerar um comandado. É covarde. Justo o oposto ao que poderia ser considerado coragem, como equivocadamente boa parte de seus apoiadores enxerga.
Talvez pior do que a postura do presidente só mesmo a do ministro. A fala de Paulo Guedes não permite espaço para maiores tergiversações. É desleal. De quem não consegue nutrir empatia pela situação vivida por um colega de time. Diga-se de passagem, uma fala que vai ao encontro do quadro que construiu para si ao longo da carreira e em relação a muitos economistas respeitados.
Confesso, em casos assim, quando me vem à mente as pessoas que por ingenuidade ou esperteza compraram a ideia de que este seria um governo liberal, uma sensação que beira a schadenfreude assume o controle. Todavia passa rápido.
O Brasil já sofre e ainda sofrerá muito por conta de um governo que, em síntese, é um golpe em si mesmo. Um antigoverno. Uma estrutura que deixa de funcionar não apenas por ser incapaz, mas porque precisa do caos para sobreviver.