Há no ar — precisamente naquele respirado pelas hostes governistas — uma certeza: o bolsonarismo é vítima. E não interessa do que, ainda que importe de quem.
Nesse quesito, a imprensa sai na frente. É o inimigo predileto. Alvo dos apoiadores do governo incapazes de abandonar o transe eleitoral, articuladores próximos ao poder, ministros e até mesmo do próprio presidente.
De acordo com essa narrativa, a imprensa tradicional, “extrema-imprensa” para muitos, está apenas interessada em diminuir e se possível atrapalhar a administração Bolsonaro por meio de mentiras deslavadamente propagadas em seus veículos. Para tanto, se vale de versões engrandecidas, por vezes inventadas, de fatos que jamais provocariam manchetes se a esquerda ainda estivesse no poder.
Este ponto, diga-se, é de fundamental importância para a sustentação do vitimismo vigente (que não difere em nada da queixa dos petistas quando davam as cartas em Brasília): defender que antes a imprensa jamais dera um pio. Que não fiscalizava como agora. Que, por fim, não se mostrava antipática em relação a projetos e muito menos investigava crimes de corrupção.
O outro adversário indispensável, claro, é a oposição. Afinal, há que se ter um algoz. Tudo fica mais difícil sem uma ameaça porque o foco recai nas ações do poder constituído. Sem a comparação, direta ou subliminar, quem detém a caneta fica nu.
Desta feita, com Lula preso e a esquerda acéfala, o bolsonarismo merece uma salva de palmas. Poucas vezes se viu um grupo tão hábil em fabricar espantalhos: politicamente correto, comunismo, socialismo, imprensa, oposição, globalistas, liberais, gays, mulheres, anti-cristãos, ateus, blocos de carnaval, chineses, cientistas e minorias em geral. Todos cabem no perfil de verdugos da nova era. E quando não cabem, dá-se um jeito.
O problema não recai sobre o vitimismo per se. Essa é uma ferramenta comum a governantes populistas e, insisto, presente em administrações recentes por aqui. O problema é que o bolsonarismo é sustentado pelo mais puro suco das fake news.
Em primeiro lugar, a afirmação de que a imprensa inventa motivos para atacar o governo é mentirosa. Se ela merece críticas é justamente por não conseguir dar conta dos absurdos produzidos nos últimos três meses. Ainda que sejam tantos.
Depois, são inúmeros os exemplos da atuação dos veículos de comunicação nos grandes casos de corrupção desde a reabertura democrática. De Collor a FHC, de Lula a Dilma, incluindo Michel Temer, não sobrou um sob o escrutínio da mídia. Resultando, inclusive, em dois afastamentos de presidentes.
Como eu dizia, há entre os apoiadores ferrenhos do governo, e também entre os seus principais nomes, a certeza de que a direção recém-empossada é vítima. E no fundo essas pessoas não deixam de ter razão, só que por motivos outros.
No fim das contas, o governo é vítima de si mesmo. Da própria incompetência gerencial. Por ter falhado no seu nascimento, ao desenhar um ministério coalhado de figuras ineptas, sem qualquer compromisso com as obrigações que os cargos lhes impõem. Por permitir a promiscuidade com sujeitos que nem sequer deveriam estar presentes, mas que ali permanecem sabe-se lá se por pena ou xodó. Por não endossar a única dupla de ministros minimamente digna do fardo, esvaziando suas agendas e, portanto, suas próprias imagens. É vítima por não entender que a eleição já terminou e, como bem disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não será via Twitter que se há de resolver os problemas ou aprovar as reformas.
O choro é livre, mas, pelo menos até agora, é acima de tudo injusto.