Não sou um dos tantos que comprou a narrativa que aventava o início de uma “nova Era” caso Jair Bolsonaro fosse eleito, tão alardeada pela sua campanha durante as últimas eleições. Portanto, não seria correto dizer que me decepcionei com a postura do presidente nas últimas horas, quando buscou a todo custo favorecer a categoria dos funcionários do setor de segurança no texto da reforma da Previdência.
No fim das contas, Bolsonaro só faz agora o que vem fazendo há 30 anos, desde o momento em que ingressou na carreira política: seguir a sua natureza de sindicalista. Assim, escancara de maneira inequívoca o autêntico estelionato eleitoral que permeou a sua vitória nas urnas, ao se fantasiar de liberal na economia — com o apoio decisivo de um Paulo Guedes ávido pelo palanque político, e um bom naco do mercado financeiro que não faz a menor ideia do que seja o Brasil.
É importante deixar isso claro.
A gestão atual não está sendo apenas calamitosa do ponto de vista moral e civilizatório. Ela redefine o conceito de despreparo ao gerar crises em série pelas razões mais amalucadas, seja por meio de faniquitos de filhos do mandatário, seja pelo amadorismo de ministros de Estado. Representa uma mentira. E a disposição da sociedade para se autossabotar.
Não está certo se merecemos tamanha bênção, mas a nossa grande sorte é que, desta vez — ao contrário da última, há 16 anos —, o populismo com viés protecionista escolhido para tocar o país encontra um cenário bem diferente. Menos alvissareiro.
Para começo de conversa, Lula era mais inteligente do que Bolsonaro. Soube ser pragmático ao ignorar o clamor dos radicais à esquerda e aperfeiçoou a política econômica que já vinha dando certo no governo Fernando Henrique. Não deu tiro no pé. Não esvaziou agendas que fossem fundamentais para o seu projeto de poder e nem fritou aliados em público.
Em segundo lugar, noves fora a inaptidão do atual governo para a tarefa que lhe foi conferida na esteira do antipetismo, não há hoje uma conjuntura internacional favorável para ser instrumentalizada, como fez o PT. Bem ao contrário, a realidade hoje aponta para uma desaceleração da economia chinesa e até mesmo recessão da americana.
Por fim, também no sentido inverso ao de quando Lula assumiu, Bolsonaro de fato recebeu uma herança maldita. Ainda que o governo Michel Temer tenha sido capaz de entregar menos pepinos do que recebeu de Dilma Rousseff, o estrago causado pelo petismo, tanto do ponto de vista ético quanto da competência, não deve ser superado tão cedo.
Enfim, a boa notícia é que, para além da lavagem cerebral sugerida pelo olavismo e a repulsa à esquerda, Jair Bolsonaro não se mostra capaz de sobreviver politicamente. Acima de tudo, porém, apesar de as chances de que o atual zeitgeist perdure, cabe estabelecer a verdade dos fatos: o atual presidente da República não é apenas ruim, mas uma farsa. E a sua existência no cargo representa um inegável estelionato eleitoral. Um autoengano do qual, arrisco-me a dizer, tão cedo não vamos nos recuperar.
A menos que passemos a prestar atenção nos sinais, na conduta e nas inconsistências já tão abundantes entre o “mito” e o presidente.