O último domingo não foi dos melhores para tricolores apaixonados como eu. Nunca é quando perdemos um Fla-Flu, mas esse foi especialmente dolorido. O ponto não foi ter de constatar as arquibancadas tricolores desertas enquanto o lado rubro-negro transbordava. Até porque tal cenário, por mais triste que fosse, não trazia nada de inédito. Tampouco o placar. Dadas as duas campanhas até aqui, só um absoluto ingênuo apostaria na vitória do Pó-de-Arroz. O meu incômodo se deu pela forma como o jogo aconteceu. Na diferença abissal entre as duas equipes.
Abro os trabalhos como se deve: o Flamengo será o campeão brasileiro deste ano e com vários corpos de vantagem. Tantos quanto merece, pela pujança de sua equipe, repleta de ótimos jogadores, e um técnico capaz de mudar um time no meio da competição como poucas vezes se viu nos últimos tempos.
Contudo, e peço sinceras escusas aos rubro-negros ferrenhos pela ousadia, a pergunta se impõe: sim, o Flamengo será campeão brasileiro, mas que Flamengo?
É natural que os mais novos não alcancem a minha dúvida. Quanto aos flamenguistas obcecados, é esperado que não a aceitem. Entretanto, lamento, mas a verdade é que este Flamengo, a poucas semanas de levantar a taça, não conversa com o meu.
Não se trata de saudosismo barato. Ainda que, com todo o respeito que merecem Gabigol, Bruno Henrique e Éverton Ribeiro, o Flamengo de Zico, Leandro e Júnior continue em outra prateleira. Também não sofro de dor de cotovelo. A minha paixão pelo Fluminense nunca me impediu, por exemplo, de ter o Galinho na conta do maior jogador que vi atuar — até surgirem Zinedine Zidane e Leo Messi, ainda assim ótimas companhias.
Um combinado de fatores me leva a estranhar esse Flamengo atual a ponto de não reconhecê-lo como o adversário de sempre. Todos convergem para o seu poderio financeiro.
Sei bem, é melhor que eu vá me acostumando. A tendência não é só a de que o Rubro-Negro mantenha tamanha superioridade, mas de que a amplie. Além do quê, convenhamos, o clube não pode ser punido por ter uma torcida numerosa, a não ser com a natural antipatia de quem sofre do outro lado da arquibancada.
Pois, feitas as mesuras, fico na dúvida se as almas de ambos, time e torcida, cujo elo, de tão óbvio, se confunde com a própria mitologia em torno do clube, não começam a desvirtuar. É como se a riqueza amealhada após eficientes gestões, finalmente rendendo frutos em campo, tirasse o lustre de uma instituição que fez sua fama ganhando, às vezes com categoria, mas acima de tudo na raça.
Que Flamengo é esse, afinal, campeão, não com craques feitos em casa, mas com um time formado por nomes consagrados que chegaram de afogadilho, cuja identificação com a camisa é tão genuína quanto a do torcedor preocupado em empunhar o celular na hora da comemoração?
Que Flamengo é esse, afinal, desde sempre o time do povo, não por acaso o mais querido, disposto a fretar aviões e garantir toda a estrutura necessária para que suas estrelas possam render o máximo, enquanto barganha sem pudor para indenizar as famílias das crianças que morreram carbonizadas sob sua responsabilidade?
Escrevi que não se tratava de saudosismo barato. Mantenho. É saudosismo legítimo.
Os tempos mudaram e os times “com cara de Flamengo” presenciados por mim talvez jamais voltem. É bem possível, inclusive, que aos olhos dos jovens de agora o time atual se confirme, com o passar do tempo, em um time raiz. Pode ser.
Também é possível que os textos redigidos antigamente, em especial aqueles responsáveis por fazer do Flamengo esta potência, hoje, à guisa de inspiração, sequer fizessem sentido.
Seja como for, que este Flamengo é outro, capaz de emitir sinais diferentes daqueles que aprendi a associar à sua imagem desde menino, não resta a menor dúvida.
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