No auge de sua carreira, o comandante Charidemus chegou a ganhar uma coroa de ouro para comemorar suas vitórias no campo de batalha. Parece que sua razão de viver era a estratégia militar e por isso até mudava de lado para continuar em ação. Era um mercenário. Sendo um entusiasta da guerra, não conseguiu se conter diante de uma derrota do rei persa Dario III, para quem estava trabalhando. Charidemus foi até o monarca e relatou os fatos. Teria até, dizem alguns registros, apontado falhas na ação do exército persa que explicariam a vitória do macedônio Alexandre, o Grande. Podemos imaginá-lo, general cheio de pose e cicatrizes, diante do trono do rei, analisando erros e acertos da investida persa que acabou em derrota.
Dario III não gostou do que ouviu e tomou uma atitude.
Mudou a estratégia de guerra?
Preparou melhor seu exército?
Elaborou um tratado de paz?
Não. Matou o mensageiro. Assim acabou a gloriosa história de Charidemus e surgiu a expressão latina “ne nuntium necare”, ou “não mate o mensageiro”.
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Faria um grande bem ao Brasil se toda residência e toda sede de governo recebesse, pelo menos uma vez por mês, uma edição em papel de um jornal de 10, 15 ou 20 anos atrás. Tanto faz qual jornal, tanto faz a data. Seria importante que fosse em papel, porque assim se poderia ver a importância que foi dada à notícia. Nada como uma primeira página de jornal para se ter uma ideia do que anda ocorrendo mundo afora. É um inventário de avanços e retrocessos da humanidade, organizado conforme a cabeça do jornalista de plantão. Com o jornal velho nossa memória seria refrescada e colocaríamos o noticiário atual em perspectiva, assim como a atuação de pessoas públicas que estão há muito tempo em ação (ou inação, no caso de alguns). Não importa se o leitor está à esquerda ou à direita, no centro ou no alto – ele verá que alguns problemas não surgiram agora, que outros já haviam sido solucionados e que foram ressuscitados, que críticas sempre foram feitas a quem está no poder.
Nada como uma primeira página de jornal para se ter uma ideia do que anda ocorrendo mundo afora
Às vezes tenho a impressão de que algumas pessoas começaram a se informar nos últimos meses e, ainda assim, só por meio do grupo do WhatsApp.
Grupo do WhatsApp, aliás, que é pior que as sete pragas do Egito reunidas. Gera confusão dentro das famílias, propicia a difusão de notícias falsas, desperta a inveja, a mágoa e a vontade de fugir para as montanhas e nunca mais pisar em uma festa de Natal do próprio clã.
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Tudo isso para dizer que nós estamos precisando de um balde de água fria. Nós, os brasileiros; nós, todo mundo que vive nesse planeta; e, nós, o planeta inteiro porque eu sou daqueles que acreditam no aquecimento global.
Estão esquecendo o óbvio: se o cidadão está a favor de um lado da contenda e acredita que tudo que o seu lado faz ou fez está certo, este cidadão está sendo tolo (como será “me engana que eu gosto” em latim?). Erros há, sempre. Se alguém não os vê é porque não quer ver. Errare humanum est. Não precisa traduzir, né? De novo, isso vale para quem está à esquerda ou à direita, no centro ou no alto, no infinito ou além. A quem não reconhece os erros e não corrige a rota, só resta matar o Charidemus.
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Voltando ao que eu escrevi ali atrás e que precisa de uma correção, a questão não é que as pessoas nunca se informaram, mas sim que nós, humanos, esquecemos muito. Esquecer faz parte da vida. Para compensar, existe a internet e seu arquivo infinito de registros de outros tempos – inclusive de expressões latinas... Pensar e refletir também faz parte. Cogito ergo sum (desculpem a insistência, mas acho as expressões latinas lindas).
Se o cidadão está a favor de um lado da contenda e acredita que tudo que o seu lado faz ou fez está certo, este cidadão está sendo tolo
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Esquecer faz parte da vida, mas felizmente sempre teremos os livros. Li recentemente obras publicadas há muito tempo e que provam que o que é bom fica: Novelas nada exemplares, do Dalton Trevisan, completou 60 anos. Memórias Póstumas de Brás Cubas, do Machado, completou 137 anos, e O Retrato na Gaveta, de Otto Lara Resende, 57 anos. São descobertas e redescobertas que me enchem de espanto e maravilhamento. Agora estou lendo a coletânea de Lygia Fagundes Telles que meu irmão me presenteou. Só conhecia dela o conto “Antes do Baile Verde”, que aparecia em um livro didático que usei, creio, quando era aluna do Colégio Rio Branco, ali no Seminário. Tenho uma vaga lembrança de que, aos 13 ou 14 anos, me impressionei com a animação da personagem para participar de um baile de carnaval. Vejam como são as coisas. Quarenta anos depois, o que me chama a atenção é a morte iminente do pai, que a moça tenta ignorar.
Tenho certeza de que deve haver uma expressão latina que se encaixa aqui para explicar a mudança na minha perspectiva, mas não vou abusar da paciência do leitor.
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