![No rancho fundo Arte: Felipe Lima](https://media.gazetadopovo.com.br/vozes/2019/01/wen-26-01-ilustra-marleth-768x366-507cfb16.jpg)
Num golpe de sorte, ganhei esta semana duas caixas de livros. O amigo precisava liberar espaço nas estantes para as próximas aquisições. As prateleiras bem organizadas estão vergando sob o peso do papel. Algo tem de sair para que o novo, que a curiosidade dele continua a buscar, entre naquela casa. Coube a mim levar embora um tesouro: muitos exemplares de livros de crônica, a maioria dos anos 60, o auge desse gênero no Brasil.
Folheio os exemplares bem cuidados em um primeiro ato de exploração. O cenário da maioria dos textos é as ruas do Rio de Janeiro, onde o gênero nasceu na época do Império e ganhou a condição de gênero literário graças a jornalistas migrados de outras partes da Federação: os mineiros Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade, a cearense Rachel de Queiroz, os capixabas Rubem Braga e Carlinhos de Oliveira. Vindos de cidades menores, todos se deslumbravam com o pitoresco que se espalhava pelos bairros cariocas.
Mas havia algo mais naquelas crônicas, outros cenários que os mesmos autores registravam com ternura ou humor. Era a vida nas cidades pequenas ou nas fazendas onde todos tinham morado ou pelo menos circulado em suas vidas anteriores. Até a Belo Horizonte dos cronistas mineiros era pequena e interiorana.
Recordo um texto de Drummond em que ele descreve uma tarde de domingo em um distrito rural de Minas Gerais. Haverá um jogo de futebol em alguma parte e a rapaziada se movimenta pegando carona na carroceria de um caminhão. No mais, a tarde é quieta e parada como são quietas e paradas as tardes de domingo em lugares assim.
Rubem Braga registrou as pescarias. Rachel de Queiroz, as caçadas.
Já naquela época o que o Brasil queria era se modernizar e a modernidade almejada era a dos grandes centros onde, em um país marcado pela desigualdade na distribuição de todos os bens, estão concentrados os recursos de saúde, educação, cultura e emprego. Sendo assim, virou-se as costas para o interior. As Donas Bentas, os Garnizés e Zé Carneiros foram tão esquecidos quanto a Cuca e o Saci.
Aos poucos, a própria tecnologia, nossa atual senhora e mestra, mudou as bases que justificavam a concentração humana nas capitais. O interior ganhou acesso à maior parte dos recursos que antes só estavam disponíveis nos grandes centros – que, no tempo dos cronistas que citei acima, eram apenas Rio e São Paulo.
A tecnologia torna menos diferente o homem e a mulher do interior do homem e da mulher da cidade grande. Lá como cá faz-se compras on-line, assiste-se filmes e séries dentro de casa, lê-se notícias do mundo todo. O ambiente em torno deles é que se diferencia, a dinâmica social também, os ciclos da natureza têm mais influência. Agora nos falta a crônica dessa vida vivida fora das metrópoles.
***
Segundo o IBGE, 16% dos brasileiros estão em zonas rurais. A “virada” apareceu no censo de 1970, que registrou pela primeira vez uma população urbana maior que a rural (56%). Em 2015, o Ministério do Desenvolvimento Agrário usou dados da economista e socióloga Tania Bacelar de Araújo para questionar a leitura dos dados demográficos. A tese de Tania é que moradores de municípios com menos de 5 mil habitantes vivem em um ambiente rural, próximos da natureza e com relações sociais diferentes das encontradas no contexto urbano. Por isso ela defende que o porcentual correto da população rural seria de 36%. Que diferença isso faz? Para fins de políticas públicas, muita diferença. Além do mais, se o Estado, a imprensa e outras instituições prestassem atenção às comunidades periféricas – que são todas as que estão fora dos bons bairros dos grandes centros urbanos –, levaríamos menos sustos, como os resultados de algumas eleições e os modismos culturais “caipiras”.
-
Novo embate entre Musk e Moraes expõe caso de censura sobre a esquerda
-
Biden da Silva ofende Bolsonaro, opositores e antecipa eleições de 2026; acompanhe o Sem Rodeios
-
Qual o impacto da descriminalização da maconha para os municípios
-
Qual seria o melhor adversário democrata para concorrer com Donald Trump? Participe da enquete
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião