Em uma manhã de setembro de 1997, cheguei a Londres com uma bolsa de estudos do governo britânico para fazer mestrado na Universidade de Westminster. Acomodei as malas no hotel onde ficaria nos primeiros dias e saí para a rua. Em contraste com minha alegria por estar ali, com o dia claro de verão, havia sinais de tristeza por todo lado. Diana, a princesa de Gales, fora sepultada quatro dias antes e as pessoas ainda prestavam homenagem a ela deixando flores em frente aos palácios de Buckingham (residência da rainha) e de Kensington (onde Diana morava). Outros locais de Londres que tinham alguma conexão com a vida da princesa também recebiam buquês e cartões. Não era uma visão bonita porque tudo ali estava relacionado com o luto. As largas calçadas em frente aos palácios desapareciam embaixo dos ramalhetes que se acumulavam uns sobre os outros. Durante a madrugada, parte deles era discretamente retirada pelos funcionários da rainha, mas de manhã a cobertura colorida e melancólica estava lá novamente. Fazia dez dias que Diana estava morta e era como se o velório continuasse.
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Velórios e funerais devem ser cerimônias privadas, íntimas. Não gosto de rever imagens do cortejo que levou o corpo da princesa de 36 anos para a Abadia de Westminster. O povo estava em silêncio, mas ainda assim tinha algo de espetaculoso, de fora do lugar, em um funeral tão público, com os filhos pequenos sendo obrigados a expor sua dor aos olhos de curiosos. Imagino que se aquilo ocorresse hoje seria ainda pior por causa dos celulares. As pessoas estariam filmando, fotografando, fazendo selfies diante das flores dedicadas a Diana. A multidão se transformaria em um gigante paparazzo, o último a perseguir a princesa.
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A BBC está preocupada com um aspecto das imagens que fará, algum dia, do cortejo fúnebre da rainha Elizabeth II: os rostos tristes na multidão, que dão o toque humano a um espetáculo essencialmente teatral, shakespeariano, como o funeral de um monarca, estarão escondidos por celulares. Sem dúvida as pessoas vão querer gravar o que veem, como fazem obsessivamente hoje em dia, e tudo que as câmaras de tevê capturarão serão iPhones, Samsungs, Motorolas erguidos e apontados em direção ao caixão da rainha.
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Segundo o jornal The Guardian, os planos para o funeral da rainha Elizabeth II estão prontos. Entre funcionários do governo e cortesãos circulará uma mensagem em código: “A ponte de Londres caiu”. Haverá muita pompa e velhos rituais serão utilizados porque, como disse um historiador ouvido pelo jornal, quanto menos importância a monarquia tem, mais ela precisa de rituais e tradições para sobreviver. A rainha e o futuro rei Charles não têm ingerência na vida do país, a monarquia é um museu com manequins vivos submetidos a um papel que desempenham desde o nascimento, que restringe suas vidas e suas escolhas. Charles será – e aqui é apenas minha opinião que registro – o último rei da Europa a viver de acordo com as velhas regras. Os seus colegas dos países vizinhos já se modernizaram, o que significa viver com mais liberdade e também aceitar que sua relevância é cada vez menor. William se casou com quem quis, uma plebeia, assim como têm feito os outros futuros reis e rainhas da Europa. Admitem, assim, que sangue azul não existe.
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Os filhos de Diana têm falado sobre a mãe. Dizem coisas impressionantes porque humanas. Harry: tudo que faz, cada gesto seu, é pensado para agradar a mãe morta. William: pensa na mãe todos os dias, se pergunta se ela gostaria disso ou daquilo, se ela riria da piada que ele achou divertida. Sintomas de uma perda violenta que hoje produz o milagre de manter Diana viva ao menos dentro da cabeça de seus dois filhos.
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