Mario Celso Petraglia, presidente do Conselho Deliberativo do Atlético, concedeu entrevista ao repórter Julio Gomes, do UOL. Boa parte do que disse, nós, da “aldeia”, já estamos acostumados a ouvir, há pelos menos uns 10 anos. Há, entretanto, alguns (poucos) pontos relevantes na conversa.
E embora já estejamos acostumados com o discurso, sempre causa impacto. Mais por incredulidade, pela bizarria, como se vê na reação dos torcedores, do que propriamente por interesse. É espantoso como alguém do meio do futebol expõe uma visão tão superficial sobre determinados temas.
Especialmente, quando Petraglia fala sobre torcida, relação com o torcedor. Em suma, na visão do cartolão, futebol é mero “entretenimento”, algo “secundário” na vida das pessoas e que, portanto, deve ser tratado como tal. “O que move o futebol é o dinheiro. É grana, é business”, diz o dirigente.
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Como disse acima, não consigo deixar de me espantar com tal visão, embora já a conheça há tantos anos. E eu que sempre pensei que o futebol, ao contrário de todos os outros esportes, tem um componente que o diferencia e, reforçando, o torna único: a paixão do torcedor.
É inegável que o esporte precisa de dinheiro, cada vez mais. Não se paga salários com amor, não se constrói estádios com o coração, não se organiza campeonatos com sentimento. Qualquer um sabe disso. Agora, dissociar a paixão do futebol…
Para justificar sua tese, Petraglia faz uma feijoada de conceitos. Uma misturança que se torna ainda mais grave por ser um equívoco tão evidente. O cartola compara, espelha, iguala, o futebol com os chamados “esportes americanos”, como a NBA, NFL etc.
Na defesa deste “novo conceito”, importado dos Estados Unidos, Petraglia chegou a soltar uma frase que, desde já, entra para o anedotário do esporte. “Nas culturas mais desenvolvidas, não estão nem aí para perder!”. Como? E eu que via os americanos como uma nação tão ambiciosa…
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Em resumo, há um óbvio e ululante engano ao tentar comparar duas culturas esportivas que são absolutamente diferentes. A do futebol e a dos “esportes americanos”. Há algumas similaridades que podem, e devem, ser relacionadas. Mas, claro, com parcimônia.
Lá, nos EUA, as equipes são franquias, há uma relação distinta do público, dos torcedores, com as equipes. Não é incomum times mudarem de cidade, de nome, de cores. O futebol não, é uma aproximação ancestral, uma relação umbilical, não se troca por nada.
Igualar os dois cenários já é esdrúxulo o suficiente. Agora, a análise do cartola do Rubro-Negro é também confusa quando menospreza a relação dos americanos com suas equipes. Como já disse, é evidente que não se compara, mas não é tão “fria” quanto Petraglia vende.
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É notório, mas basta uma googlada para encontrar uma enxurrada de exemplos de como o americano, ou melhor, a “cultura desenvolvida”, como disse o cartola, se importa em perder. Há casos e casos de franquias que, com sequência de resultados ruins, viram seu público minguar.
Na NBA, foi o caso do Sacramento Kings que, após deixar de rivalizar com o Lakers, viu sua média de público despencar lá nos anos 2000. Em sentido contrário, o Philadelphia 76ers passou a lotar seu ginásio recentemente, com o crescimento do time de Joel Embiid e Ben Simmons.
Vale também para o Golden State Warriors que, de um time sem grande apelo, virou um fenômeno popular com a ascensão da vitoriosa equipe liderada por Steph Curry. Já são anos de taxa de ocupação máxima de seu ginásio e dezenas de milhares de fãs na fila de espera por um carnê.
Em todo o caso, é mesmo complicado comparar os dois ambientes. O futebol, seja no Brasil, na Argentina, ou até em países desenvolvidos, como Inglaterra, Espanha etc, tem na paixão um aspecto fundamental, essencial, indispensável. Já nos Estados Unidos, é mais um componente.
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De certo, que o sonho de Petraglia, de torcedores que vão ao estádio para comer batata-frita e não estão nem aí para o placar, jamais vai se realizar. Simplesmente porque não é assim em nenhum lugar do mundo. Ainda bem, pois a paixão é o que faz do futebol um esporte único.
E deveria ser, justamente, o ponto a ser melhor explorado. Concordo que o torcedor, o brasileiro preferencialmente, deveria estar mais próximo de sua paixão, financeiramente inclusive. Agora, excluir o sentimento dos estádios, é absurdo, irreal.
No Atlético o dirigente está tentando há anos e, aparentemente, está surtindo efeito. Mesmo com um estádio moderno, confortável e fechado, não consegue ampliar o público. Ao contrário, de um ano pra cá, só tem perdido sócios. E nem mesmo os rubro-negros se sentem em casa na Arena.
É o resultado de tantos anos tratando a paixão como algo irrelevante. Petraglia vai entrar para a história como o maior dirigente do Furacão, que deu ao clube tudo que não tinha, nem sonhava ter – títulos, estrutura etc. Mas que esfriou o bem mais precioso de um time de futebol: o sentimento de sua torcida.
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