Com a proposta de torcida única, que será implementada na Arena da Baixada, do Atlético, o Ministério Público do Paraná conseguiu feito notável, quase impossível: uniu os torcedores rivais comentaristas de internet, todos contra a nova ordem imposta.
É impressionante, sem dúvida. Eu mesmo nunca tinha observado tal fenômeno. A outra vez foi na tragédia da Chapecoense. Quem está na internet, e nos estádios, sabe o quanto é difícil mobilizar opiniões num sentido só. Qualquer que seja.
Mas, analisando detalhadamente, não ocorre por acaso. A medida que será encampada é estapafúrdia. Não encontrei definição melhor ainda: é matar o cachorro para acabar com as pulgas.
Não surpreende que o poder público adote tal conceito, já implementado em São Paulo, aqui respaldado pela Polícia Militar e pela Delegacia Móvel de Atendimento a Futebol e Eventos (DEMAFE) de Curitiba. Afinal, é o caminho mais fácil, mais cômodo, mais simples.
Sim, porque conter a violência entre torcidas é extremamente complexo. Não se resolve na canetada. Envolve uma série de estudos, ações, tudo a longo prazo. E, evidentemente, é um problema que está conectado diretamente com a sociedade, não é algo específico do futebol.
Claro que ninguém quer se engajar num trabalho que pode durar décadas. Bem “melhor” procurar atalhos e, quem sabe, faturar algum trunfo político com medidas que, comprovadamente, são de ganho absolutamente relativo.
Apenas em 2018, duas pessoas já morreram em capitais que adotaram a torcida única. No final de semana passado, um torcedor da Ponte Preta foi morto por um rival do Guarani, em Campinas. Em fevereiro, em Goiânia, um torcedor do Goiás foi morto em encontro com torcedores do Vila Nova.
“Somente” duas mortes podemos considerar um “bom resultado”? Dá pra dizer que é um saldo “positivo”, pensando que, supostamente, com mais com torcedores dos dois times pelas ruas poderia ser pior? Não foram as primeiras mortes, e não serão as últimas, em localidades com a medida.
Na Argentina, cenário semelhante ao brasileiro, de torcidas organizadas e intensa rivalidade, a torcida única foi adotada em 2013. Desde então, 40 torcedores foram mortos em confrontos. Serve de exemplo para as nossas autoridades? Pelo jeito, não.
O principal argumento do MP-PR é que, com a torcida de um só time no estádio, a polícia consegue diminuir o efetivo nas proximidades do campo e deixa de fazer as “escoltas” para os adversários. Como se vê, o grande benefício, em tese, seria “aliviar” o trabalho da PM.
Ora, a polícia existe justamente para atender ao público. E jogos de futebol são eventos importantes, e da rotina de qualquer comunidade. Movimentam uma cidade, têm impacto financeiro considerável, enfim, é tarefa da PM, sim, participar da segurança fora das praças esportivas.
Alguém pode dizer, “ahhh, polícia não tem que ser babá de torcedor organizado”. Se há um deslocamento grande de pessoas pela cidade, seja qual for o interesse, é obrigação da PM acompanhar a manifestação. E, normalmente, as “escoltas” funcionam.
E tudo isso tratando apenas dos clássicos locais, duelos de maior potencial de confusão. Encontros que ocorrem dez vezes por ano em Curitiba, chutando alto. Até o fim do ano teremos somente mais dois, entre Atlético e Paraná, no Brasileirão.
De resto, são jogos com equipes de fora do estado e com potencial infinitamente menor de violência. Veja o último caso. No domingo passado, 4.602 palmeirenses foram à Arena do Furacão. Não houve registro de incidentes.
Sem contar ainda a questão financeira. Mais uma vez usando o exemplo do Palmeiras, o Atlético faturou R$ 367.400 com ingressos para os visitantes. Não é sempre que se tem uma renda expressiva, mas não é dinheiro que se jogue fora, concorda?
Em resumo, trata-se de uma medida sem qualquer comprovação de eficácia. Que, basicamente, priva o torcedor comum, a imensa maioria, de acompanhar seu time fora de casa. Atinge fortemente a cultura do futebol. E, por fim, é um atestado de incompetência assinado pelo poder público.