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Neutralidade, imparcialidade e as relações entre o direito e a política.

Enquanto o caos segue em frente

Com toda a calma do mundo

 

O direito promete certeza e justiça para a solução de um caso concreto. Para cada regra, apenas uma solução: a mais justa! Mas, a recente crise política trouxe ao grande público a percepção de que tais promessas não são totalmente cumpridas.

A percepção está correta, ao menos quanto aos “casos difíceis”. Que casos são estes? São os que envolvem a discussão sobre o conteúdo de valores abertos da Constituição, a exemplo, da “dignidade da pessoa humana”, do “interesse público”, do “Estado Democrático de Direito”, etc. Como estes valores subordinam a interpretação da legislação infraconstitucional (leis, medidas provisórias, decretos, etc.), um mesmo caso pode ter soluções diferentes, a depender da percepção racional do magistrado sobre os referidos valores. Esta riqueza interpretativa é inerente ao direito, e, embora fale-se em interpretações mais ou menos razoáveis, não há uma solução peremptória sobre o assunto.

Nestes casos, os magistrados se tornariam parciais e suas decisões se modificariam de acordo com a pressão política e social? A ideologia e as vinculações políticas inevitavelmente colonizariam o direito?

A resposta às questões exige a compreensão dos conceitos de neutralidade e imparcialidade.

A neutralidade significa: a) indiferença quanto ao resultado da demanda; b) a capacidade de não levar em conta as experiências de vida, convicções morais, religiosas e filosóficas no momento de decidir.

Já a imparcialidade exige que o julgador garanta o mesmo tratamento processual às partes, para que ambas tenham a mesma chance de comprovar sua versão.

Os deveres de neutralidade e de imparcialidade estão previstos em várias regras, a exemplo dos arts. 155, 156, 157, 252 e 254 do Código de Processo Penal, e, se violados ensejam a anulação da decisão judicial.

Em casos simples (aqueles com respostas facilmente encontradas na legislação ou no precedente) os julgadores são imparciais e neutros. Mas, em casos difíceis não é exigível do magistrado que desconsidere sua visão de mundo, até porque, sem ela, não é possível interpretá-los.

A ausência de neutralidade, porém, não pode ensejar a manifestação de posições político-partidárias, pois aí se perde tanto a neutralidade, quanto a imparcialidade.

Alguns critérios indicam a juridicidade das decisões: a) a fundamentação é adequada, ou seja, apreciou os argumentos relevantes das partes e indicou porque algumas teses são mais relevantes que outras?; b) a decisão é isonômica, ou seja, o caso sob análise recebeu o mesmo tratamento que um caso anterior?; c) em caso de mudança de posição há justificação para tal, ou seja, demonstrou-se que o caso era peculiar, que a situação foge à normalidade ou que houve uma alteração no sentimento moral da sociedade?

Os julgadores em geral estão bem cientes destes critérios, e, por esta razão não precisam de torcida ou de constrangimentos do público. Ainda que uns divirjam dos outros, não é isto que autoriza a lançá-los na arena da política.

São bem-vindas as manifestações de apoio às instituições e o repúdio às tentativas de minar a independência do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia, sobretudo quando apuram ilícitos que envolvem os partidos (de situação e de oposição) mais importantes do país.

Mas, a torcida, a pressão e as paixões, que objetivam um certo resultado (seja lá qual for), devem ser dirigidas ao espaço da política, ou seja, aos agentes dos poderes majoritários (executivo e legislativo), não ao âmbito do direito que, apesar de não neutro, precisa de serenidade para ser produzido de maneira minimamente razoável.

Ao avançarmos esta linha limite (entre a defesa das instituições e a personificação salvacionista/demonização generalizada), politizaremos excessiva e negativamente um Poder que já enfrenta desafios suficientes.

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