Brasil e China são países muito diferentes e, por isso, grandes parceiros comerciais. É o que os estudiosos chamam de “economias complementares”. A distância cultural e geográfica é responsável também, em parte, por ambos países compartilharem muitos preconceitos entre si.
Nestes tempos de epidemia, tristemente, foram muitos os relatos de xenofobia contra chineses anotados no Brasil. Em geral, os preconceitos são associados à sujeira, maus hábitos de higiene, infestações de pragas diversas e uma exploração maldosa de alimentos exóticos por lá consumidos.
A recíproca é verdadeira. Talvez nenhum chinês te diga isso abertamente, com todas as letras. Mas o senso comum que eles têm sobre nós, brasileiros, é que somos relaxados, preguiçosos e com pouco senso de sacrifício. Obviamente, uma generalização preconceituosa, que, registre-se, muitos brasileiros têm contra si mesmos, em geral voltado às classes populares, a quem eventualmente atribuímos sua condição social modesta aos adjetivos acima descritos.
Por debaixo das várias camadas de preconceito, no entanto, é possível encontrar uma característica que genuinamente diferencia a China do Brasil e de outros países que estão colhendo resultados assustadores no enfrentamento ao Covid-19 - como Itália, Espanha e Estados Unidos: é o senso de coletivismo, o sentimento de que o indivíduo é menos importante que o conjunto das pessoas e que, pessoalmente, cada um deve dar sua contribuição para a “harmonia” coletiva. Harmonia, aliás, é um termo caro ao confucionismo, sistema filosófico central na formação da cultura chinesa.
Ao acompanhar brasileiros na China nas missões comerciais que organizo, é recorrente ouvir o comentário de que o sucesso chinês na educação, nas empresas de tecnologia ou na inovação deve-se à atuação do Estado, rico, centralizador e que determina vencedores e vencidos. É certo que o Estado tem importante peso no desenvolvimento chinês, ao ponto de muitos sinólogos definirem tal economia como “Capitalismo de Estado”, mas é ingênuo acreditar que a mão forte do governo seja capaz de determinar o sucesso de políticas públicas por si só. Na China, projetos e empresas dão certo porque seus cidadãos se engajam e têm competência e dedicação para colher os resultados.
O Irã, por exemplo, é um regime sabidamente centralizador, e nem por isso, foi capaz de conter a epidemia de Covid-19. Já a China, país que não teve tempo de se preparar para o caos (ao contrário do Brasil e dos Estados Unidos) e que possui o maior desafio demográfico de todas as nações, foi eficiente para, em 8 semanas, derrubar com força a curva de novas infecções.
Tal resultado não se deve à repressão das autoridades, embora esta jogue papel importante. Mas sobretudo ao sentimento coletivista e cidadão da sociedade. Todos usam máscara, todos ficam em casa, todos obedecem às recomendações. Obviamente, quem sair da linha pagará o preço de ser individualista em uma sociedade coletivista.
Não faço aqui apologia à cultura do coletivo. Sei que esta pode ser profundamente opressora, tolher talentos e limitar as possibilidades de cada pessoa ser feliz. Mas registro que, para além das análises técnicas e projeções de virologistas, o aspecto cultural joga papel central no maior (ou menor) sucesso das políticas de contenção da pandemia.
Esta semana, um amigo que mora na Lombardia publicou em seu Facebook uma foto exemplificando as vantagens de ser coletivista em tempos de pandemia. O outdoor trazia o depoimento de um jovem italiano, que dizia: “Quando vi meu pai sendo entubado, percebi que não deveria ter dado aquela voltinha”.