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Ainda sobre os ônibus exclusivos para mulheres e as cantadas de rua

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Como as leitoras e leitores desse blog já devem saber, foi aprovado no último dia 3, em São Paulo, o projeto de lei 175/2013, do deputado estadual Jorge Caruso (PMDB), que prevê a reserva de vagões exclusivos para mulheres no metro e nos trens da capital. Agora, o projeto precisa ser sancionado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). É possível que o governador tucano, que pertence a um partido que historicamente dá pouca atenção a questões de gênero (não que os outros sejam melhores neste quesito), sancione a medida estapafúrdia, já que a ideia de muita gente conservadora só pode seguir dois caminhos nessa área: ou é paternalista, indo pelo caminho de proteção pela segregação, sem atacar a origem do problema, ou pela ideia de que as mulheres realmente gostam de provocar os homens, e de que devem ficar separadas para evitar problemas.

Este assunto já foi debatido aqui neste blog. Muita gente irá dizer que isso é necessário, uma vez que ocorrem muitos assédios e até estupros dentro dos metrôs e dos trens – No começo deste ano, a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom) prendeu pelo menos 33 homens que se aproveitavam da superlotação nesses meios de transporte para abusar de passageiras. Porém, o que as feministas exigem são campanhas de conscientização a longo prazo, além de, a curto prazo, medidas mais eficientes e que beneficiam a todos, como aumento da frota, diminuição da passagem e maior fiscalização.

Relembre a discussão aqui

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Outro assunto que está gerando debate é a cantada de rua, tema de minha dissertação de mestrado. No mês de maio, escrevi um artigo para a Gazeta do Povo sobre o assunto. Por falta de tempo, não publiquei neste espaço, mas mesmo com algum atraso, compartilho com leitoras e leitores o texto, para que possamos discutir melhor o tema, que em breve pode vir a ser alvo de alguma medida equivocada, como a vista recentemente em SP, e também em Curitiba. A votação do projeto do ônibus rosa pela Câmara Municipal de Curitiba, chamado cinicamente de Panterão, foi adiado por 50 sessões e deve ir novamente para votação no mês de dezembro. Fiquemos de olho.

 

A batalha pelo direito à rua

Vanessa Fogaça Prateano, jornalista, consultora da Comissão de Estudos de Violência de Gênero da OAB/PR e mestranda em Sociologia – Estudos de Gênero pela UFPR, cujo tema de pesquisa é o assédio verbal e sexual vivido pelas mulheres no espaço público

Discorrer sobre a luta das mulheres por mais igualdade e liberdade significa, obrigatoriamente, questionar o que se entende por público e por privado no Brasil – e em qualquer lugar do mundo. Se um dos maiores desafios de feministas, gestores públicos e estudiosos de gênero é fazer com que a violência doméstica seja entendida como um problema de Estado e de direitos humanos, igualmente difícil é trabalhar a noção de que a rua também é espaço da mulher – e de que seu corpo lhe pertence e continua sendo um espaço privado.

O trabalho é árduo. É no espaço doméstico que ocorrem quase 70% das agressões contra mulheres no país, onde ainda se entende que tal “comportamento” é assunto de casal, nada tão grave que mereça a interferência de terceiros. Ao mesmo tempo, quando uma mulher é atacada no espaço público, com palavras e gestos ofensivos, abordagens insistentes e até passadas de mão e “encoxadas”, também se conclui que este é um tema menor, e qualquer iniciativa que vise a conscientizar sobre e a coibir tais atitudes é vista como “exagero”, “radicalismo” ou “a morte do flerte e da conquista”.

Os dados, porém, são preocupantes. De acordo com pesquisa da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal, 37% das brasileiras já foram atacadas em vias públicas – 29% delas por estranhos. No entanto, ainda não há campanha que busque chamar a atenção para o fato, visto como natural e imutável – algo como “mulheres são assediadas na rua, sempre foi assim e sempre será. Àquelas que não desejam passar por tal situação, recomenda-se que fiquem em casa”.

O fato é que quando homens se dirigem a mulheres sem receberem consentimento para tanto, quando as tocam sem permissão, gritam-lhes palavras obscenas, mesmo com testemunhas ao redor, e quando a sociedade se recusa a tratar tais atos como violações graves, um recado muito claro é passado a essas mulheres: a de que elas não pertencem ao espaço público. E de que, se quiserem ficar em segurança, é melhor que retornem ao lar e aos afazeres domésticos – onde não serão atacadas por estranhos, pelo menos. Percebe-se aqui o quanto a violência de gênero é naturalizada. Em casa, pouco se pode fazer contra a agressão de cônjuges e parentes. Na rua, contra a cometida por estranhos, tampouco.

Embora seja um tema ainda pouco debatido, o assédio na rua começa a gerar reações. Com a ajuda da internet, pesquisas e relatos têm mostrado que este é um problema cotidiano vivido por mulheres de qualquer cidade do mundo, e que grande parte já deixou de ir a algum lugar, passar por determinada rua ou de usar certos tipos de roupa com medo do assédio. Com isso, têm tolhidos seus direitos mais básicos, como o de ir e vir e de usufruir de espaços, serviços e equipamentos públicos. Tornam-se menos cidadãs, já que isso reflete, segundo o relatório Safe Cities Global Initiative, da ONU Mulheres, na sua educação, lazer, vida profissional e até na participação política.

Nos últimos anos, várias organizações e iniciativas foram criadas para chamar atenção para o problema. Nos EUA, há a Stop Street Harassment, que por meio de pesquisas mostrou que 99% das americanas já foram assediadas em público. Na França, o curta-metragem Maioria Oprimida, que inverte os papéis de homens e mulheres na sociedade, também apontou para o medo vivido nas ruas pelas francesas.

Na Bélgica, porém, é onde o tema gerou uma resposta do poder público. Nesta semana, o senado do país aprovou uma lei que define a intimidação sexual nas ruas como ofensa criminal, primeiramente condenando o agressor a multa que varia entre 50 e 1 mil euros, e com pena de prisão de até um ano em caso de reincidência. Desde 2011, as cantadas já eram passíveis de multa na capital Bruxelas, após uma jovem filmar com uma câmera escondida os assédios que vivia na rua, e o documentário chocar o país.

Punição

A criminalização de tais condutas é discutível, uma vez que a prisão não resolve o problema estrutural do machismo e da discriminação. Tampouco eficazes são as medidas que visam a segregar as mulheres em vagões e ônibus exclusivos, com o objetivo de evitar os assédios no transporte coletivo – proposta que chegou a ser defendida pelo vereador de Curitiba Rogério Campos (PSC), mas que, felizmente, não teve êxito. Tal medida, que parece visar ao bem-estar das mulheres, é contraproducente, pela mensagem que passa à sociedade a respeito do assédio.

A principal é de que, para combater a discriminação, é preciso segregar, algo extremamente paradoxal e perigoso. Paralelamente, coloca sobre as mulheres a responsabilidade de se defenderem, ao invés de exigir dos homens que as respeitem. Afinal, por que muitos se sentem tão livres para assediar? Não seria porque a eles é passada a mensagem de que não podem controlar seus instintos, e de que cabe à mulher se preservar? E quando a mulher não puder pegar o ônibus exclusivo e optar pelo convencional, isso será visto como um sinal verde para o assédio? Uma vez que ele não ocorre só nos ônibus, teremos de segregar estações-tubo, ruas, praças e talvez a cidade?

Diante disso, o que fazer? Ser contra espaços exclusivos ou qualificar como ineficaz a repressão a esse comportamento não significa agir contra os próprios direitos ou de maneira contraditória. O que o movimento feminista e as mulheres como um todo exigem são campanhas maciças e constantes de esclarecimentos, que mostrem que estão incomodadas e não veem isso como elogio, tal como acredita o senso comum.

Ao mesmo tempo, é preciso lutar pela educação de gênero nas escolas, visando à construção de novas relações entre os gêneros, marcadas pela igualdade e não por estereótipos, naturalizações e divisões que são a origem de discriminações, de comportamentos ofensivos e de crimes de ódio, não só feminicídios, mas também os de natureza homofóbica e transfóbica. Sem uma verdadeira mudança de mentalidade sobre os papéis que (não) cabem a cada um dos gêneros, que passe pela educação, não haverá lei, decreto ou segregação que dê conta de tanta violência

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