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Duas visões sobre o veto de Fruet: Entrevista com Anaterra Viana

Arquivo Pessoal
Anaterra Viana

Ainda em relação ao veto do prefeito Gustavo Fruet (PDT) ao projeto de lei que previa atendimento multidisciplinar ao autor de violência doméstica, hoje a entrevista é com a jornalista Anaterra Viana, que é a favor do veto. Aqui ela explica o porquê de apoiar a decisão do prefeito. Confira.

Quem é a Anaterra: jornalista, fotógrafa e assessora de comunicação, com atuação na área cultural e social. Faz parte da Coordenação e Organização da Marcha das Vadias de Curitiba, da Coordenação do Núcleo Feminista Lua Negra – PT Curitiba e da Coordenação do Saia de Bici – coletivo de mulheres ciclistas de Curitiba e RMC

Por que o veto era necessário? Quais são os pontos fracos e que precisariam ser melhor trabalhados?

Anaterra – Sou a favor de medidas disciplinares no caso de violência doméstica e acho imprescindível que o combate à violência não fique apenas na esfera criminal. Mas, no caso deste projeto, há muito o que ser discutido. Por exemplo, toda a família deve ter o direito a atendimento psicológico. Ressalto a importância de que o agressor tenha este acompanhamento, mas aqui em Curitiba nem mesmo a agredida tem este benefício. Outro ponto é a respeito da impunidade: neste caso, o receio é de que, ao invés de criminoso, o agressor passe a ser também vítima, o que ele não é. É importante que se descubram as causas da violência, é importante, sim, uma medida multidisciplinar, mas também é necessário que a estrutura de atendimento à vítima melhore, e que seja garantido o cumprimento da Lei Maria da Penha em todas as esferas.

Criticou-se muito a questão de o projeto focar muito na questão psicossocial e de ficar a cargo da FAS, mas ele dizia que o atendimento seria multidisciplinar e que outras secretarias poderiam aderir. Neste caso, ele já não contemplaria uma boa parte do que pedem os movimentos que trabalham com o tema? Por quê?

Anaterra – Há questões emergenciais a serem resolvidas, mesmo que essas questões sejam do âmbito do Judiciário e não psicossociais. Este é o contraponto: resolver a questão estruturalmente, com mais delegacias da mulher, estrutura de amparo, casa-abrigo etc. E fazer cumprir-se a Lei Maria da Penha com rigor é essencial para que um projeto como este seja realmente cumprido da maneira como deve ser, e tenha os resultados que deva ter. O ‘pacote’ tem que ser completo. Acredito que, com o órgão específico conquistado na nova gestão, a Secretaria Municipal das Mulheres, e o pacto estabelecido com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal, poderemos contar com mais estrutura. Com a criação da Casa da Mulher Brasileira em Curitiba, um local que irá concentrar todos os serviços especializados de atendimento à mulher agredida, como juizado, delegacia e atendimento psicossocial. Resolvida a lacuna do atendimento privilegiado a vítima, é possível pensar em atendimento psicológico ao agressor também. O projeto não contemplaria uma boa parte do que pedem os movimentos porque prevê o atendimento apenas ao agressor e, neste caso, o projeto deveria abranger o atendimento à família inteira.

Há um debate entre o lado que vê o agressor somente como um criminoso e outro que o vê como uma pessoa doente. Na sua opinião, como a lei deve encará-lo, afinal?

Anaterra – Deve-se encará-lo como agressor. Segundo a Lei Maria da Penha, agredir mulher é crime, portanto, ele é, sim, um criminoso. No entanto, vejo o tratamento psicossocial como uma via também importante – e terapia não deve ser encarada como tratamento de doentes, pois acho que terapia é tão importante quanto ir regularmente ao dentista, ao médico. O tratamento psicológico deveria ser garantido para a sociedade toda. Acho necessário que o poder público abra os olhos para a questão da educação e das medidas disciplinares, pois muitas vezes ali é que está a raiz do problema; porém, entendo o receio de quem acredita que o viés criminal é mais importante no caso de violência doméstica, porque em muitos casos o agressor está a um passo de assassinar sua vítima, e tratamento psicológico neste caso pode não resolver – de imediato – sua vontade de matar.

A SPM, por meio da secretária Aparecida Gonçalves, tocou muito na questão da criminalização. Você concorda ou discorda dessa visão? Por quê?

Anaterra – Admiro muito a Aparecida Gonçalves, apesar de discordar de alguns pontos de vista dela, e como disse acima, entendo o receio e a insistência em tratar a violência doméstica somente pelo viés criminal, pois muitos, mas muitos agressores, matam suas vítimas, e as matam logo depois que elas prestam a queixa, registram boletim de ocorrência. Temos visto crimes com requintes de crueldade, então acho importante que a Lei Maria da Penha seja cumprida com rigor, para que os agressores comecem a sentir que não ficarão impunes.

Você citou que não houve um bom debate da autora do projeto com o movimento de mulheres antes de o projeto ser escrito e submetido à Câmara. Poderia falar mais sobre o problema? O que houve?

Anaterra – Na realidade, eu tive uma conversa com a vereadora Professora Josete (PT) sobre o veto e ela tocou neste ponto, na falta de diálogo com os outros vereadores e eu adicionei a falta de diálogo com os movimentos sociais também. Acredito que este seja um problema frequente na Câmara, afinal de contas, o vereador está ali para nos representar, por que não escutar mais, discutir mais?

Ainda sobre o diálogo entre as partes, que é um aspecto ainda pouco trabalhado e comentado: como fortalecer essa parceria e, ao mesmo tempo, evitar que os papeis se confundam e que os movimentos percam a independência para criticar?

Anaterra – Fortalecer a parceria é somente na base do diálogo – os movimentos fazem sua parte reivindicando, indo atrás do poder público para cobrar e fiscalizar. Cabe também aos vereadores, eleitos pelo povo, irem até o povo, participar mais das ações do movimento social para descobrir seus anseios, dar condições ao diálogo. Existem vereadores que não saem de dentro da Câmara, tem outros que quase nem aparecem, não ficam o tempo inteiro e não participam nem das decisões internas, enfim, em época de campanha todo mundo aparece, depois…
Nós, da Marcha das Vadias, sempre convidamos todo ano o Legislativo e o Executivo para a marcha, e quase ninguém vai. Já quanto a evitar que os papéis se confundam, acho que não tem muito problema quanto a isso, não, pois cada qual sabe do seu papel. O movimento nunca irá perder a independência, só que de nada adianta lutar e lutar, sem a abertura do poder público para o diálogo e até para a parceria, pois é isso que irá trazer resultado efetivo a toda nossa luta.

O prefeito não poderá protelar por muito tempo essa questão do atendimento ao agressor, que certamente terá de ser compartilhado pelo município. Qual será a melhor hora e forma para fazer isso?

Anaterra – O debate está lançado e ele não pode parar. Agora é a vez de os movimentos sociais agirem a favor e frisar a importância da questão, promover o debate entre profissionais da área e movimentos, pressionar. Com a criação da Secretaria Municipal da Mulher e a vinda do projeto Casa da Mulher Brasileira para Curitiba, este seria um ponto a ser debatido e implementado dentro do acompanhamento psicossocial à mulher, que ao meu ver só será realmente completo se toda a família receber tratamento; vítima, agressor (além da punição pelas agressões, é claro) e os filhos, se houver, também pelos danos causados a eles.

Por fim: mesmo que o prefeito tenha vetado o projeto, você acredita que ele voltará a trabalhar o tema com o intuito de melhorar os erros do projeto anterior, ou este assunto ficará de lado? Por quê?

Anaterra – Vejo uma boa abertura ao diálogo nessa nova gestão, com participação popular, realização de audiências e até a possibilidade de participação através da internet. Repito o que disse na resposta anterior, é hora de ação dos movimentos, com promoção de debate em torno do assunto, ressaltando a importância da questão. Sou a favor do veto, pelos motivos que já expliquei nas outras perguntas, mas também sou a favor do tema principal do projeto, que é o de atendimento psicossocial ao agressor. Desconstruir a cultura do machismo e da violência só será possível com educação. Portanto, é hora de os movimentos e do povo agirem a favor do tema, pois é através de nós que o assunto não será esquecido.

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