É muito difícil, embora necessário, comentar as últimas notícias sobre estupro – de três mulheres indianas (uma, de nome Jyoti Singh Pandey, foi atacada em 16 de dezembro, a outra no último sábado e uma terceira se suicidou ao ser obrigada a se casar com um dos agressores) e de uma estudante paulista que morreu em circunstâncias extremamente suspeitas, e que não mereceu uma investigação rigorosa até agora.
É um tema doloroso – pela violência do ato, pela desumanidade do agressor, pela violação extrema do corpo, algo que pertence a cada um e a ninguém mais, pela dor psicológica e pelo medo de uma gravidez, uma doença, do julgamento social e milhões de outras coisas que poderiam ser elencadas aqui.
E também pelo descaso da polícia, da sociedade, que vitimiza a mulher milhares de outras vezes, ao não acreditar nela, ao dizer que ela ‘facilitou’ o ataque, pela sua roupa ‘indecente’, por ter andado numa rua deserta ou ter aberto a porta para aquele conhecido em quem confiava e que a atacou.
O descaso das pessoas com a história da paulistana Viviane Alves Guimarães Wahbe é uma dessas aberrações – já se disse que a estudante de Direito tinha problemas psiquiátricos que poderiam explicar os comentários deixados por ela sobre o estupro imaginário que teria sofrido numa festa por colegas de trabalho. Ela era estagiária no escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados e se matou no dia 3 de dezembro
Ninguém merece ser julgado por um crime que não cometeu. Mas toda e qualquer suspeita deve ser investigada. Não se sai por aí, de antemão, dizendo que a vítima estava num surto quando escreveu algo tão sério. Não se espera um mês para dar publicidade a algo tão importante.
A reação da Índia a esses casos hediondos é uma esperança, e fortalece o sentimento de que há cada vez menos mulheres e homens aceitando essa violência gratuita e milenar contra a mulher. Mas ainda é pouco. É muito pouco. Na maior parte das vezes, a indignação esfria e a polícia agradece e volta a se acomodar.
É sempre importante lembrar que perto de nós também há casos dessa natureza que não causam mais indignação. Curitiba é um bom exemplo. No ano passado, a CPMI de Violência Contra a Mulher constatou que de 2.222 casos de estupro na cidade em 2011, só 10 tiveram o processo concluído e só dois resultaram em condenação. Senadores e deputados pediram explicações ao Tribunal de Justiça do Paraná. Uma promotora presente na sessão, que eu acompanhei, não soube dar explicações. Prometeu enviar respostas. Ainda não sabemos quais são os argumentos.
Nas ruas, homens falam coisas absurdas às mulheres e veem isso como elogio ou o ‘extravasar em palavras’ uma fantasia que não vai se concretizar em atos. Será? Passam a mão ou partes do corpo no corpo das mulheres nos ônibus e metrôs e, quando contestados, ameaçam esmurrar a vítima. Uma sociedade que vê isso como natural – e a mulher que denuncia como uma ‘fresca’ – está incentivando o estupro. Ou ao menos, está fazendo vistas grossas.
O caso de Curitiba é emblemático. Por isso, é preciso acompanhar os resultados da CPMI, que serão divulgados em março, e cobrar o TJ-PR. Denunciar casos de ofensa e abuso sexual – estupro não é só conjunção carnal/vaginal. A lei mudou e é preciso colocá-la pra funcionar. Denunciar a violência doméstica – estupro conjugal existe e é crime.
E não aceitar o descaso. Compartilhar a história da estudante Viviane. Dar publicidade é um primeiro passo. Não julgá-la e vitimizá-la, e a sua família, mais uma vez. E lutar para derrubar esses conceitos de que a roupa ou o comportamento justificam uma violência, que foi o que a Marcha das Vadias tentou mostrar em suas passeatas. É difícil. Mas se há silêncio, muita gente vai comemorar e se sentir intocável.
Uma prova de que o assunto é sério: bar indiano serve coquetel com nome de ‘estuprador’
Mais sobre o caso do bar em um jornal indiano
Vale lembrar: Por aqui, estupro ainda é piada ou nem é crime, quando ‘consentido’ por crianças
O caso New Hit: quando a vítima é a culpada
E mais: Nos EUA, FBI não considera ‘sexo anal forçado’ como estupro
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