Imagine, caro leitor, que certo dia, enquanto experimenta uma roupa no provador da loja, uma mulher a quem você quer bem – mãe, irmã, namorada, filha – é atacada por um sujeito que tenta retirar suas peças íntimas ou tascar-lhe um apertão em alguma parte do corpo. Ou então que ela, enquanto anda na rua – ou em qualquer outro lugar, público ou não–, tem suas roupas arrancadas do corpo, de supetão, de forma brusca. Imagine também que, por mais que ela ou você se ofenda e queira tirar satisfação, não há nada que se possa fazer contra o agressor – ninguém consegue pegá-lo; ele é, por natureza, impune. Invisível.
Este é o cenário de uma propaganda da cerveja Nova Schin, intitulada ‘Homem Invisível’, veiculada há alguns meses na TV, com o ‘objetivo’ de fazer rir, vender o produto em questão e, por que não, uma ideia. A ideia, pelo que se pode ver, de que é divertido bolinar e tirar a roupa de mulheres sem a sua permissão. E melhor ainda se você fizer isso de forma invisível, sem ser responsabilizado por seus atos. Afinal, o que tem de mais?
O comercial é chocante, embora muitos achem engraçado. Desrespeita um preceito básico que deve ser seguido por todos e em relação a todos: o respeito à privacidade, à inviolabilidade do corpo, à intimidade, à segurança. Tudo isso em nome da diversão masculina – e antes que se diga que o comercial só ofende mulheres, é importante notar o quanto a propaganda ofende os homens, tratando-os como seres irracionais, hipersexualizados, agressores e infantilizados.
Embora muito se fale sobre a liberdade de expressão e na luta contra o politicamente correto, que supostamente tiraria a graça das coisas, é impossível negar o caráter de mau gosto do comercial, que trata a mulher como objeto, tira-lhe a personalidade e incentiva que sejam tratadas com desprezo e chacota – como se elas estivessem à disposição dos homens, pouco importando se querem ou não partilhar sua intimidade com eles. Quem há de concordar ao analisar mais a fundo a mensagem? E ao se colocar no lugar das mulheres ali retratadas?
Além do comercial em si, no entanto, o que preocupa é a posição do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), órgão responsável por avaliar reclamações de consumidores a propagandas que ofendam terceiros. A resposta, enviada a centenas de pessoas, inclusive a mim, é de que as reclamações foram arquivadas, “sob o fundamento que o comercial não foi considerado ofensivo à mulher, retratando uma situação absurda (alguém ficar invisível). Aliás, o personagem, ao final, é ignorado e desprezado pela modelo mulher”.
Para pensar: será que o fato de o personagem ficar invisível alivia a situação? Se fosse mostrado um personagem invisível maltratando idosos, crianças, moradores de rua ou homossexuais, sugerindo que aquilo é ‘engraçado’, o ato em si seria menos grave? E, afinal, o fato de uma mulher ignorar (porque às vezes é o que nos resta) uma agressão, física ou psicológica, isenta o agressor de responsabilidade?
O Brasil, de fato, está muito atrasado no que diz respeito à forma como trata a mulher nos meios de comunicação. Não é de hoje que o sexo feminino é retratado deste jeito em comerciais, em especial os de cerveja. São comerciais inundados de clichês, pouco criativos, que exploram preconceitos e, pior, desvalorizam o consumidor duas vezes, já que mulheres também consomem cerveja, ou seja, desrespeitam-nas enquanto pessoas e enquanto clientes.
Num período em que a mídia de outros países se esforça para combater a violência, em especial o estupro e os espancamentos, o Brasil anda na direção contrária – ou porque não realiza campanhas efetivas na área, ou porque não trata com rigor comerciais feitos por terceiros que ofendam a imagem das pessoas – sejam minorias ou maiorias.
Para terminar, deixo aqui o link para o comercial da Nova Schin e também outro, feito pelo governo britânico, que trata de um tema parecido, embora muitos não vejam relação. Confira e deixe sua opinião.
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