Circula na internet um vídeo que, não fosse pela impossibilidade histórica, poderia ter sido feito no século XIV. Ou antes. Se você for imune a fortes emoções, assista aqui e boa sorte
Nele, um grupo de mulheres que se dizem ‘virtuosas’, num programa chamado “Mulheres diante do trono”, discorre de forma crítica e despeitada sobre a opção que milhares de brasileiras têm feito nos últimos anos de estudar, trabalhar, formar um patrimônio e dividir a chefia da família.
Uma atitude que tem tirado milhares delas da pobreza, da ignorância, do analfabetismo, da vulnerabilidade social e doméstica.
Iniciativa que não melhora apenas a vida das mulheres. Melhora a de seus pais, que são auxiliados por elas financeiramente. A de seus irmãos, que passam a valorizar o estudo e ver na atitude da irmã uma alavanca para o exercício da cidadania.
A de seus filhos, que são criados por uma mulher mais escolarizada, que tem acesso a informações sobre planejamento familiar, importância de uma boa escola no desenvolvimento de seus filhos, da vacinação, do estímulo cognitivo quando o filho tem alguma deficiência.
A de seus maridos, que se veem libertos dos impositivos papeis de gênero que dizem que um homem não pode ficar cansado, ser ajudado financeiramente, pedir opinião ou compartilhar angústias.
Da comunidade, que conta com mais pessoas escolarizadas, instruídas e de iniciativa para melhorar a vida da coletividade, ocupar postos e cargos, fiscalizar e executar.
Mulheres que, através do estudo e do trabalho, se tornam cidadãs de fato. Ajudam os homens a eleger um bom prefeito, governador, presidente. Exigem melhores creches, escolas, postos de saúde. Denunciam, cobram, deliberam.
Esta crítica desmerece o esforço de homens e mulheres que resolvem trabalhar juntos para criar melhor os filhos, pagar um plano de saúde, uma boa escola, numa época em que os benefícios sociais estão escasseando.
Desmerece casais que resolvem empreender juntos, dividir as despesas da casa e as tarefas do lar com o objetivo de aliviar um pouco o cansaço físico e emocional do outro.
Insulta pais que olham para suas filhas e as tratam com o mesmo respeito com que tratam seus filhos. Que acreditam que sua filha precisa ser independente porque ser livre, ser ouvido, ser respeitado é algo que independe de gênero, orientação sexual, religião. E porque é bom ter a certeza de que, mesmo quando ninguém puder ajudar, ela terá condições de fazer sozinha.
Acima de tudo, é um insulto às próprias mulheres, de todos os lugares. Aquelas que não quiseram casar nem ter filhos; as que correm risco de vida para poder estudar; as que são presas por pedirem o direito de ir e vir sem dar satisfações aos maridos. Um insulto à inteligência humana, enfim.
O bom de toda essa história é que muitas meninas ouvem isso e não aceitam. E também exergam a contradição do discurso: Afinal, como pode uma mulher, com um alto cargo numa igreja como elas, se levantar para dizer que as outras não podem ter poder? Porém, não é de hoje que mulheres que tiveram a oportunidade de estudar e serem bem sucedidas passam a vida tentando tirar o direito de outras. O machismo não vem apenas dos homens.
E, apesar de toda a revolta, tenho a confiança de que, enquanto umas ficam diante do trono e de costas para o mundo a proferir barbaridades, outras estarão dirigindo países, comunidades, jornais, escolas e, sim, famílias.
Quando resolverem virar de frente, o que nos resta é torcer para que não sofram e apreciem o show sem moderação. E que passem a fazer parte dele também, junto com todas nós que, acredite, não vemos problema nenhum em dividir espaços.