Humberto Gessinger fala sobre o show "Desde Aquele Dia - A Revolta dos Dândis 30 anos"| Foto:

Com única apresentação neste sábado (28), no Teatro Positivo, Humberto Gessinger apresenta o show de seu novo DVD, “Ao Vivo Pra Caramba”, registro da turnê “Desde Aquele Dia – A Revolta dos Dândis 30 anos”. São quatro canções inéditas ao lado das faixas que compõem o disco “A Revolta dos Dândis”, do Engenheiros do Hawaii, lançado em 1987. Gessinger conta o porquê de trazer o álbum para uma turnê 30 anos depois, além de explicar sua relação com o mercado da música atual e suas maneiras de compor. Isso tudo na entrevista exclusiva para o Música Urbana, que você confere a seguir:

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O que te levou a fazer esse revival dos 30 anos do disco “A Revolta dos Dândis”?

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Acho que foi o fato de, no lançamento do disco em 87, nunca chegamos a tocar ele na íntegra, ele ficou espremido entre o anterior (“Longe Demais das Capitais”) e o posterior (“Ouça o Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém”). Foi uma tour curta e a gente não chegou a tocar na íntegra. E é um disco bem significativo e que o material continua fazendo sentido pra mim.

O que mudou em você nesses 30 anos? O que mudou no artista Humberto?

Eu acho que minha carreira é feita mais de continuidade do que de ruptura. Mas a gente vai amadurecendo, vai envelhecendo. E o que eu acho pra mim, amadurecer é perder as certezas, ficar mais flexível, e isso aconteceu. Sou muito mais feliz hoje tocando com a banda na estrada do que jamais fui.

Essas turnês de álbuns passados às vezes são vistos pela crítica como uma coisa de aproveitar o momento, fazer um caixa. Você não tem problema quanto a isso, no teu caso?

Cada caso é um caso. E hoje tem uma maneira de se analisar os novos analógicos com novas ferramentas. Hoje todos os tempos convivem, a linearidade do tempo não é mais tão definitiva e massacrante quanto era antes. É bem natural nos meus registros ao vivo, desde o primeiro em 89 (“Alívio Imediato”), ao mesmo tempo em que eu faço uma leitura do passado, eu sempre faço coisas novas, que acabam configurando um disco dentro de um disco. Pro público e até pra crítica isso passa um pouco batido, mas as pessoas às vezes ficam vendo o que querem ver. Eu senti isso em relação às músicas novas, quando falam delas, pinçam detalhes nelas que falam sobre o tempo. Eu acho que esse papo sobre o tempo existe sim nas músicas novas, mas não é tão dominante. Eu não tenho mais necessidade nem ansiedade de ficar explicando, dando chave de leitura. É normal que as pessoas peguem, na obra de um artista longevo principalmente, o que seja referente ao tempo, mas não acho que é uma temática dominante nesse trabalho recente. Assim como no meu ponto de vista o show está equilibrado no sentido de dialogar com o passado e pensar no futuro. Cada um se relaciona com isso da forma que achar mais orgânica. Às vezes a gente acha que qualquer pequena novidade que pintar possa ser significativa e se esquece que já tem uma coisa significativa e que é legar ressignificar ela.

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Já vi algumas referências a você como sendo o Bob Dylan brasileiro. O que acha dessa comparação?

Acho que são dois momentos históricos diferentes, dois artistas diferentes. Acho uma coisa meio anos 70 isso de “fulano parece sicrano”. Mas de uma forma direta, eu não vejo isso. O Dylan compositor tem uma maneira que ele revisita o trabalho dele, da recriação da música a cada noite, como se a música estivesse viva, e isso talvez tenha me influenciado. Que não é uma coisa óbvia no trabalho dele. Não virar um cover de si mesmo e não renegar o passado. É o que eu busco fazer. Só faz isso quem tem uma conexão muito forte com o trabalho que produz. Eu hoje sinto, de maneira geral, uma falta de convicção nas coisas que se faz, parece que são relações superficiais da pessoa com a própria arte, com a profissão, eu acho um dos males do mundo moderno. No fim das contas é o que vai segurar tua onda, essa força dessa conexão.

Você é reconhecidamente um grande letrista nacional. Como você faz seu processo de composição?

Como eu me sinto mais à vontade com a letra do que com a música, eu deixo a música sair na frente. Sou muito mais rigoroso com meu texto do que sou com minha melodia, minha harmonia. Mas eu não tenho uma forma muito racional, apesar de muita gente achar que é muito racional o que eu escrevo. Não consigo fazer uma música de propósito. Eu sempre recebo ideia “escreve sobre isso, escreve sobre aquilo”, eu nunca consigo. Pra mim é muito misterioso, às vezes leva um tempo pra descobrir as raízes de algo que eu escrevo. Com o tempo aprendi a relaxar e gosto muito que seja assim, subjetivo e misterioso esse processo da composição. Às vezes fico muito tempo sem escrever uma linha, e de repente escrevo três músicas. A expressão da composição é uma coisa que se dá na parte do cérebro que tu não tem muito controle, irracional, e quando aquilo vem pra parte racional, tu tem a ilusão que tu tá compondo, mas na verdade aquilo já vinha se compondo há muito tempo num pedaço do seu cérebro para o qual tu não tem muito controle. Talvez seja uma maneira muito romântica de ver a composição. Mas a maneira como escrevo é pouco clara até pra mim.

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Você como um porta-voz do rock gaúcho, como está hoje? Se renovou depois do boom dos anos 80, 90?

Não sou um cara muito ligado em novidades, nunca fui muito informado. Mas tenho a impressão que deve ter muita coisa bacana rolando. O que acontece hoje em dia é que o ouvinte não pode ser um cara passivo, tem tanta coisa rolando ao mesmo tempo que tu tem que estar um pouco mais ligado. O grande lance dos tempos atuais é mais heterogêneo. Por um lado isso fica mais difícil pra quem consome, não tem mais “o” movimento, “a” escola, “o” estilo. Por outro lado se ganha muita riqueza e diversidade. Se buscar, vai se encontrar uma coisa muito legal. O que vai deixar teu trabalho mais forte hoje em dia não é a conexão que tu tem com o mundo externo e sim a conexão que tu tem com teu próprio trabalho.

Como você se relaciona com as mídias sociais?

Eu acho que pra alguém da minha geração – eu nasci em 63, eu estou com 54 anos – eu acho que eu faço direitinho. Mas eu não sou um cara que pensa nisso e para o qual isso ocupe muito espaço da minha mente. Claro, eu vivi grande parte do meu tempo em que não existia internet. Então isso entrou no meu cenário de uns tempos pra cá, que eu sinto que é uma extensão do que eu já fazia antes. É parecido com o tempo que a molecada fazia fanzine biografada e mandava. Talvez seja a visão de alguém de outros tempos. Eu uso pra comunicar meu trabalho. Sou muito grato a ter pintado essas ferramentas. Porque meu trabalho não é muito fácil de comunicar na mídia. Eu me sentia muito pouco à vontade quando o pop rock era a bola da vez. Acho muito melhor hoje em dia que tu pode falar com quem se interessa pelo teu trabalho sem passar pelos filtros da grande mídia. Me relaciono como alguém que faz música e que queira mostrar música pras pessoas.

E a nova maneira de se consumir música? Hoje mudou radicalmente o consumo, totalmente diferente dessa época que você comentou. Antes se ia na loja, via o disco, ficava curtindo a capa.

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Eu sou completamente formado pela coisa do álbum, álbum é uma coisa muito importante pra mim e pra minha geração. A partir dos anos 60 pintou essa coisa do álbum conceitual, eu gostava muito desse formato. Acho que são tempos sem volta e a história caminha de um jeito próprio. Não dá pra se buscar no caminhar da história uma racionalidade. Às vezes um formato que era bacana fica pelo caminho. Falando do ponto de vista de quem já teve sua música veiculada através de CD, vídeo cassete, não sei o que, eu hoje consigo ver que há uma distinção entre a forma e o conteúdo. Um influencia o outro. Nos tempos em que a gente vive em que não há mais a indústria fonográfica ditando a sazonalidade do trabalho, isso passou a ser uma escolha do músico. Isso que a sociedade meio que tinha um consenso, de quanto em quanto tempo  se lançaria um trabalho novo, hoje em dia o artista pode escolher. E ter a tranquilidade de saber que os formatos vão, mas a música segue.

O artista não se expressou só pela música. Você tem também livros lançados. Como é essa transposição da música pra escrita?

A palavra escrita é até anterior à palavra cantada na minha vida. Comecei a ler muito cedo e sempre gostei dessa maneira de conversar através de texto. As pessoas me conhecem antes como músico porque demorei pra lançar, mas na minha mente nem houve transição, já estava ali. O fato de, quando comecei a lançar meus livros, as pessoas já me conhecerem como músico, dá uma chave de leitura que não é possível escapar. Mas ao mesmo tempo em que a semente da criação é a mesma, eu consigo ver que são dois galhos da mesma árvore. A escrita é uma coisa mais introspectiva, parece que liga a solidão de quem escreve com a solidão de quem está lendo. A música é uma coisa mais calorosa e muitas vezes compartilhada, até com uma multidão. Nesses eventos literários eu fico observando a linguagem corporal das pessoas na fila, elas parecem carregar o livro com mais cuidado e carinho do que o CD. Isso se deve muito a essa experiência mais introspectiva que é ler. Do ponto de vista da criação, tem uma zona cinzenta entre elas em que elas se encontram.

O seu mais recente livro é de 2013, “6 Segundos de Atenção”. Você tem algum projeto novo?

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Eu lancei muitos livros e agora dei um tempo, dei um tempo no blog também. Eu me impus o exercício de publicar sempre semanalmente, até com hora marcada, porque me fazia muito bem essa disciplina. Mas depois essa obrigação perdeu um pouco da graça, eu dei um tempo. Não tenho nenhum plano pra esse ano ou ano que vem, porque estou bem envolvido com a música, tenho passado muito tempo tocando meu instrumento. Eu sempre gosto de formar banda, que toma muito tempo. E isso é uma criação artística, a maneira porque tu escolhe formar um trio. E isso passa por um ponto de vista mais neutro. Tem todo esse artesanato de se formar uma banda que pra mim é uma manifestação artística de um grau de sutileza maior, mas faz parte central do meu fazer artístico.

Hoje em dia é mais difícil perceber essas pequenas nuanças pelo consumo diferenciado da música hoje.

Sim, sim. E eu não acho que é função do artista ficar ressaltando esses detalhes. Mas é uma coisa que eu noto na minha carreira, essas coisas mais sutis acabam chegando nas pessoas, mesmo que elas não tenham uma noção racional de que entenderam aquilo. Tudo comunica. Não é assim, “me dá uma licencinha, agora sou compositor, deixa eu compor uma música aqui”, é a tua vida que está sendo suposta ali por meio da música.

E você em Curitiba é um ícone, sempre com shows lotados. Já te adianto que esse no sábado está praticamente lotado. Ao que você denota essa empatia e essa ligação tão profunda do público curitibano com tua música?

Que bom! Sabe que sempre fico pensando, em uma cidade que é muito diferente de Porto Alegre, que a gente traz uma coisa diferente. Mas em Curitiba é ao contrário, por ser muito parecida com o Sul, a maneira que as pessoas reagem num show, a atenção. Talvez sejamos mais introspectivos, uma coisa que vem do clima mesmo. E Curitiba tem uma tradição literária também, de coisas que saem um pouco da curva do eixo Rio-São Paulo: Trevisan, Leminski, Cristovão Tezza. E Porto Alegre é um pouco isso, por exemplo, Mário Quintana… São cidades que se permitem ter uma cultura local forte, sem cair no “folclorismo”, ou coisas exageradas. Talvez sejam algumas razões. A gente chegar nas pessoas de maneiras tão diversas. E o que acontece muito é a renovação do público muito grande. Ao mesmo tempo eu olho prum show e penso “caramba, é muito parecido o público que eu toco hoje com o público dos anos 80”. Apesar de mudar e ficar se renovando, parece o mesmo tipo de pessoa que se interessa pelo meu som. E qual tipo de pessoa? Isso é um exercício que eu não quero fazer jamais, tentar definir. Ao mesmo tempo que é uma renovação, na cara das pessoas, na idade, é uma sensação muito parecida com o que sempre foi.

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