Deve haver uma definição sociológica, econômica e científica para a classe média, estudada nas universidades.
Porém nada define melhor a classe média que os folhetos de lançamentos imobiliários distribuídos nos semáforos.
Eles são sempre uma fotografia, um instantâneo dos anseios mais medíocres dos seres que de livre vontade se encaixam nesse grupo, naquele momento, naquele segundo.
Encaixar-se nesses anseios não é uma questão de poder aquisitivo.
Como diz o lugar comum, é um estado de espírito.
Tudo ali, naqueles prospectos que trazem a planta baixa do emprendimento – como gostam de chamar os bem intencionadíssimos executivos desse tipo de empresa -, define a classe média com uma perfeição que os especialistas das universidades nunca conseguirão.
Os acadêmicos perdem feio para o pessoal de marketing das construtoras.
Tome o exemplo do espaço zen que todo novo condomínio deve ter atualmente.
Ontem tinha outro nome – espaço gourmet, talvez -, amanhã terá outro.
Quando um membro da classe média ouve este conjunto de sílabas, es-pa-ço-zen, uma área muito específica de seu cérebro é atingida e ele compreende que isso é tudo o que procura.
Note que ele não precisará estudar uma técnica milenar exótica vinda de um lugar distante para ter exatamente tudo aquilo que ela oferece, segundo sua visão estreita do que seria algo zen.
Note também que ele não precisará mudar drasticamente o seu mundo. Haverá um espaço (zen) nesse mundo (mundo que pelamordedeus não deve mudar), para que essas coisas que a palavra zen oferece, seja lá o que forem essas coisas na cabeça do espécime da classe média, entrem ao alcance de seu mérito, representado matematicamente pelo limite de seu cartão de crédito e pelo tamanho do financiamento com que pode arcar.
O espaço zen, o espaço gourmet, o espaço art, o espaço movie: há um espaço para tudo na vida da classe média, desde que não ocupe de fato espaço na vida.
Você sabe que é da classe média – num sentido de estado de espírito – quando tudo de grandioso, interessante, exótico, delicado e verdadeiro que existe lhe interessa de alguma maneira. Mas de modo superficial e de uma maneira que não interfira no jeito que as coisas sempre foram e sempre serão.
Por exemplo, se você diz adorar música clássica, mas só conhece Vivaldi, há uma grande possibilidade de você ser da classe média. O singular lhe atrai, mas precisa antes se encaixar no seu padrão de mundo prévio. E de uma maneira que possa ser comprado em parcelas que caibam no orçamento.
O que basicamente significa que você se interessa por algo que possa adquirir, algo que represente o seu mérito e o seu privilégio. Geralmente algo igual ao que você já tinha antes, mas com outro nome e um design inovador.
Se a novidade tiver sido inspirada naquele evento de arquitetura, a Casa Bege*, melhor ainda: o quarto-do-marido-esportista-que-trai-a-esposa, a-garagem-do-filho-homofóbico-contra-cotas-raciais, o-closet-da-filha-que-reclama-do-preço-do-iphone, o-banheiro-da-esposa-que-acha-que-bandido-bom-é-bandido-morto e o quarto-da-visita-que-diz-que-você-pensa-assim-porque-não-aconteceu-com-você.
Mas, você sabe, sempre tem algo novo ali. Algo que se possa mostrar para os vizinhos e colegas de firma. De modo que possa jogar no lixo algo supostamente velho e ficar com algo supostamente novo, reluzente e com o nome escrito em letras brilhantes.
E, com isso, a fatura de seu cartão de crédito basicamente significa que você paga uma espécie de aluguel para estar em uma vida que não muda nunca e na qual tem a ilusão de que estará para sempre.
Sua existência é um leasing.
Sem opção de compra no final.
Tudo bem, seu personal monge resolverá esse drama pra você com alguma frase feita que permita tudo ficar exatamente do jeito que está.
( * evento fictício: qualquer improvável semelhança com algum evento real é mera coincidência)
Gostou deste texto? Assine minha newsletter.
Me siga no Facebook
Me siga no Twitter.