É difícil explicar para uma pessoa política média, dos atuais moldes, independentemente do partido, o que é, de fato, “dar”.
O deputado Edson Praczyk (PRB), que é pastor nas horas vagas enquanto não está se defendendo de acusações e fazendo outras a jornalistas, especulou que uma repórter da RPC teria “dado” algo em troca de informações que, supostamente, nem ele tinha a respeito de seu processo.
Ele é acusado de ter pago valores a uma funcionária fantasma.
Entenda a história clicando aqui.
Veja o vídeo (a partir dos 14 minutos):
Dar não tem nada a ver com o conceito que uma pessoa política média, dos moldes atuais, pelo visto, acredita ter.
Dar não é uma troca, mas um ato de generosidade, desprendimento e potência, sem a espera de receber uma contrapartida.
Dar é algo que um político deveria fazer em seu trabalho. No caso do Legislativo: dar seu tempo e inteligência para fazer e votar leis adequadas à realidade do Estado e para fiscalizar o governo.
No entanto, a primeira tarefa só é realizada, supostamente, quando se obtém algo em troca. Não especulemos o quê, se valores monetários ou favores de outra espécie.
E tampouco especulemos, no caso de nossa Assembleia Legislativa do Paraná, se há uma contrapartida para a realização ou, sobretudo, a não realização da segunda tarefa.
A famosa frase de Emerson que diz que a recompensa de se fazer algo certo é a própria correção do ato não se aplica a uma pessoa política média, dos moldes atuais.
No caso do religioso, por se tratar de uma mulher, uma repórter, a insinuação de que ela “deu” algo para obter em troca tais informações que nem ele possuía, tem o agravante de ser uma observação machista.
Tanto em sua afirmação quanto na interpretação geral da sociedade: o que tem, em nossa óptica machista, uma mulher, repórter ou não, para “dar” e portanto, na visão amealhadora de uma pessoa política média, dos moldes atuais, obter algo em troca?
Para explicar o que é dar, de fato, ao infeliz deputado estadual, recorro ao psicólogo Erich Fromm (1900-1980), que tem em seu livro A Arte de Amar (recomendo) palavras mais sábias que as minhas (negritados meus):
Que é dar? Embora pareça simples a resposta a esta pergunta, ela em verdade é cheia de ambigüidades e complexidades. O equívoco mais vastamente espalhado é o que entende que dar é “abandonar” alguma coisa, ser privado de algo, sacrificar. A pessoa cujo caráter não se desenvolveu além da etapa da orientação receptiva, explorativa, ou amealhadora, experimenta o ato de dar dessa maneira. O caráter mercantil deseja dar, mas só em troca de receber; dar sem receber, para ele, é ser defraudado. (Man for Himself, E. Fromm, Londres, Routledge, 1949.) Aqueles cuja principal orientação é não-produtiva sentem que dar é um empobrecimento. A maioria dos indivíduos desse tipo, portanto, recusa dar.
Alguns fazem do ato de dar uma virtude, no sentido de um sacrifício. Sentem que, por ser doloroso dar, deve-se dar; a virtude de dar, para eles, reside no próprio ato de aceitação do sacrifício. Para eles, a norma de que é melhor dar do que receber significa que é melhor sofrer privação do que experimentar alegria.
Para o caráter produtivo, dar tem um sentido inteiramente diverso. Dar é a mais alta expressão da potência. No próprio ato de dar, ponho à prova minha força, minha riqueza, meu poder. Essa experiência de elevada vitalidade e potência enche-me de alegria. Provo-me como superabundante, pródigo, cheio de vida e, portanto, como alegre. Dar é mais alegre que receber, não por ser uma privação, mas porque, no ato de dar, encontra-se a expressão de minha vitalidade.
Talvez por isso, por essa visão deturpada do que é “dar” de nossas pessoas políticas médias, dos padrões atuais, que o Estado – como representante do poder do povo – esteja tão enfraquecido, sem vitalidade, infeliz, pouco abundante.
Nossos políticos não sabem o que é dar.
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