Acabei de ler o excelente livro As Virtudes do Medo, de Gavin De Becker.
De Becker é um dos maiores especialistas do mundo em segurança e comanda uma empresa que presta assessoria a situações e contextos que podem escalar para a violência.
Ele desenvolveu métodos de intuição artificial para detectar a validade ou não de ameaças a magistrados e senadores estadunidenses, além de prestar consultoria a diversas pessoas famosas e apoiar serviços de prevenção à violência doméstica.
O autor teve uma infância marcada por uma mãe que sistematicamente sofria abusos de seus parceiros e também testemunhou muitos atos de violência. Talvez isso o tenha sensibilizado às reais ameaças que, publica e privadamente, sofre uma mulher em nossa sociedade.
Já na nota introdutória, ele explica a não adoção de um gênero neutro ao seu expressar:
Homens de todas as idades e de todas as partes do mundo são mais violentos do que as mulheres. Por isso, neste livro a linguagem se prende mais especialmente ao masculino. Quando se trata de violência, as mulheres podem ter orgulho de renunciar a serem reconhecidas através da linguagem, porque aqui, pelo menos, o politicamente correto seria estatisticamente incorreto.
O ponto principal do livro trata de como nos cegamos para os detalhes que intuitivamente percebemos como algo que denota risco real e nos prendemos a situações mais amplas e permanentes, que nos colocam em um estado de vigília perene e sem sentido, com medo de tudo.
O medo, assim, pode ser positivo: ele é capaz de tirar você de encrencas terríveis e vem fazendo isso ao longo da evolução humana. Chegamos onde chegamos, em grande parte, graças ao medo. Recentemente, em nossa história, passamos a escutar menos esse medo e a escutar mais os medos imaginários.
No que diz respeito às mulheres, ele questiona bastante a posição de vulnerabilidade que é a elas imposta:
Eu encorajo as mulheres a rejeitarem explicitamente as abordagens indesejadas, mas sei que isso é difícil.
Neste ponto, ele também diz que “não” é uma frase completa. Se você diz não e se justifica, abre possibilidades: “Não, obrigado. Estou esperando alguém”, dá margem a alguém que aborda de entender que você estará disponível caso não chegue alguém.
A recusa de um não, aliás, é um dos fatores que deve desencadear com grande margem de acerto os sinais de alerta para um possível agressor.
Assim como o rapport tem boa reputação, a franqueza das mulheres na nossa cultura é muito mal vista. A mulher que é clara e objetiva é considerada fria, uma prostituta, ou ambas as coisas. Principalmente, espera-se que a mulher reaja a tudo o que um homem lhe comunicar. E a reação tem que ser a de disponibilidade e atenção. Considera-se atraente que ela se mostre um pouco indecisa (o oposto de explícita). Espera-se que as mulheres sejam cordiais e flexíveis e, no contexto da abordagem por um estranho do sexo masculino, a cordialidade prolonga a duração do encontro, eleva as expectativas dele, aumenta o seu investimento e, na melhor das hipóteses, é uma perda de tempo. Na pior das hipóteses, ela é útil para o homem com intenções sinistras, possibilitando que ele obtenha grande parte das informações necessárias para avaliar e depois controlar a sua futura vítima.
Ele continua, explicando por que, mesmo que você seja o cara mais legal do mundo, você não deveria ficar chateado por uma rejeição:
O homem decente compreenderia a reação dela ou, melhor, não teria abordado uma mulher sozinha, a não ser que ela estivesse obviamente precisando de ajuda. Se o homem não compreende a reação e se afasta aborrecido, isso também é bom. De fato, qualquer reação – até raiva – de um homem decente que não tinha nenhuma intenção sinistra é preferível a continuar recebendo a atenção de um homem violento que talvez esteja se aproveitando do seu cuidado em não ser rude.
E, finalmente, caso você ache tudo isso uma grande paranoia ou “coisa de mulher”, ele encerra o raciocínio com o seguinte diálogo imaginário:
HOMEM: Que frescura. Qual o seu problema, moça? Só estava tentando ajudar uma mulher bonita. Que paranóia é essa?
MULHER: Você tem razão. Eu não deveria desconfiar. Estou exagerando. Quer dizer, só porque um homem insiste numa abordagem que eu não solicitei, numa garagem subterrânea, numa sociedade em que o número de crimes contra as mulheres cresce quatro vezes mais rápido do que o índice de crimes em geral, e três entre quatro mulheres sofrem um crime violento; e só porque eu mesma já ouvi histórias de crimes horrendos contadas por todas as minhas amigas; e só perque tenho que pensar onde estaciono, onde ando, com quem falo, com quem saio sem saber se alguém vai me assassinar, estuprar ou quase me matar de susto; e só porque várias vezes por semana alguém faz uma observação inoportuna, olha para mim, me assedia, me segue, ou emparelha o carro com o meu; e só porque tenho que lidar com o corretor do meu apartamento, que me dá arrepios nem sei bem por quê, mas pela maneira como me olha, se pudesse, alguma coisa ele faria e íamos os dois parar nas manchetes de jornal; e só porque os homens não sabem nada destas questões de vida-ou-morte e eu fico parecendo uma tola por ser prudente, ainda que viva no centro de um redemoinho de possíveis riscos, isso não significa que uma mulher deva desconfiar de um estranho que ignora um “não “.
Não seria errado dizer que o maior medo dos homens em relação às mulheres é que elas riam deles ou que elas os ignorem.
O maior medo das mulheres em relação aos homens é que eles as matem.
Basta ver as estatísticas e o tamanho dos riscos para perceber que elas estão certas.
Gostou deste post?
Então assine minha newsletter.
Me siga no Facebook.
Me siga no Twitter.