É fácil reconhecer um cara da minha geração no supermercado sem olhar na carteira de identidade.
Sem sequer olhar para a cara dele.
Observe a cesta de compras.
Ela tem bolachas recheadas e outras guloseimas doces e salgadas em embalagens coloridas. Bem coloridas, com bichinhos desenhados.
Os desenhos coloridos e os recheios repletos de corantes não são feitos para as crianças. Mas para caras como eu.
Deixa eu explicar.
Quando caras como eu eram crianças, havia – acho – duas marcas de bolacha recheada. Com duas variedades de sabor cada uma.
A mãe comprava um pacote. Por mês. Inflação alta, salário raso, mês comprido. Dinheiro e bolacha recheada eram questões dimensionais.
Hoje, as marcas de bolachas recheadas são infinitas, bem como seus sabores, com complementos nutricionais que sua mãe não conseguiu oferecer a você por mais que ela disfarçasse o brócolis em pratos mais atraentes.
É natural – não direi que é bom nem mau – que o design tenha evoluído, ganhando um outro atributo.
Antes os objetos tinham que ser úteis. Mais tarde, ter formas que facilitassem a sua manufatura na linha de montagem. Depois a beleza, ora mantida, ora perdida, passou a fazer parte da idéia toda.
Mas, agora, as coisas tem que ser divertidas.
Afinal, eu também sou um dos caras que ganhou um Ferrorama no lugar do Autorama.
Ainda tive essa sorte.
Como todos os outros, tenho traumas – maiores ou menores; não importa: suficientes – relacionados a brinquedos e outras coisas que não pude ter, enquanto as propagandas diziam que eu devia.
Há uma criança insatisfeita segurando a cestinha de compras de caras da minha geração. Temos dinheiro e podemos pagar por esse atributo a mais, a diversão.
Você sabe. Possuímos cartões de crédito.
Geralmente coloridos, sempre de plástico.
Agora eles têm chips e tudo.
Não. Nós não sabemos dar nós em gravatas. Eu tenho uma com zíper, muito engenhosa.
Eu tenho uma camiseta também, com uma mensagem qualquer muito divertida.
Meu telefone celular – que comprei ontem – já está tecnologicamente ultrapassado e é o ansioso prenúncio do próximo.
Os outros caras da minha geração também têm celulares e aguardam o dia em que esses aparelhos poderão ser diretamente implantados no cérebro. Quem sabe, junto com o chip do cartão de crédito. Bem profundamente nos miolos. Com volúpia.
Não estou querendo dar idéias a ninguém, ok?
Não digo que os objetos serem divertidos seja algo ruim. O fato de eles existirem é bom, claro que é bom. Eles são adoráveis e, só de saber que eles existem, já me dá uma pequena felicidade.
Consigo imaginar como um ou outro ficaria na minha prateleira.
Como certa panela ficaria bem na minha cozinha, com alguma coisa borbulhando cheirosa sobre o fogão.
Mas, puxa vida, eu nem cozinho, pensarei enquanto mordisco uma bolacha recheada sabor tangerina-melão.
O negócio, hoje, é transmitir uma mensagem. O que eu tenho transmite uma mensagem. Se o meu cartão de crédito estourou, o negócio é transmitir uma mensagem através do que eu quero ter.
Tudo o que eu seria se fosse, se pudesse ter.
Acima de tudo, o grande negócio é que essa mensagem seja divertida.
Ria e o mundo não só rirá com você como ainda providenciará elementos para que você ria ainda mais.
Rir é o melhor remédio. A escuridão é coisa do passado. Você pensará isso enquanto lambe o creme de sua bolacha recheada sabor laranja-maracujá.
Acho ótimo que tenhamos hoje o humor para rir do passado. Sabe aquilo? Passar por uma tragédia e dizer “ainda vamos rir disso tudo?”.
Por falar nisso, você nunca teve a sensação de que esses sabores misturados são feitos porque as frutas da temporada anterior sobraram em quantidade insuficiente para fabricar um lote inteiro de um sabor simples?
É o jantar requentado que sua mãe fazia com as sobras do almoço. Geralmente tinha brócolis.
Alguém ainda está rindo disso tudo. Começou a rir quando eu e os outros caras ainda éramos crianças e continua a rir até hoje uma risada sabor abacaxi e mel.
Mel é ótimo para acabar com o acre de fruta passada.
As crianças, filhos de caras da minha geração, admito são um problema. Como competir com pais com tantas necessidades divertidas? E elas não têm cartão de crédito. Os caras do cartão de crédito precisam pensar em uma solução urgente.
Você notou como as coisas hoje em dia vem com uma superfície reflexiva e branca? É para que, depois de um tempo, você note como o tempo passou. Nenhuma superfície fica reflexiva e branca tempo o suficiente.
Mas você notou como o corte do aparelho de barbear continua bom, mesmo depois de a fita colorida – que indica sua suposta vida útil – ter se apagado?
É uma forma lúdica de dizer para você que está na hora de comprar uma lâmina nova. Já passou da hora.
E eles não enganariam você. De jeito nenhum. Afinal, o cara que vende lâminas é da mesma geração que você.
Praticamente colegas.
O seu cartão de crédito estourou, mas não há motivo para não rir, mesmo quando você chega em casa. Casa financiada em 15 anos, com 180 parcelas ainda a pagar.
Tudo é uma grande piada.
Ria das bolachas recheadas sabor manga-pólvora e o mundo rirá com você.
Sabe aqueles caras que só sabem tirar fotografia fazendo uma careta engraçada, um arremedo de sorriso, como se pudessem ser um personagem de desenho animado? Esforce-se e você chegará lá.
O mundo é uma grande piada, de fato, para os caras de minha geração com suas cestas de supermercado cheias de guloseimas.
A minha geração chegou ao auge: tem filmes de super-herói e bolachas recheadas além dos que consegue consumir. Embora tente para além dos furos dos bolsos.
Mas, na fila, olhando pra cara de cada um de nós, antes do caixa, tenho certa vontade de parafrasear um divertido filme (de super-herói) atualmente em cartaz (e cuja entrada paguei com o cartão de crédito):
– Por que tão sérios?
Geração Bolacha Recheada
A minha geração – o pessoal que nasceu entre os anos 70 e 75, por aí -, costumo chamá-la de a Geração Bolacha Recheada. Um amigo até observou: por acaso está dizendo que sua geração tem algum conteúdo? Não se trata desse tipo de recheio. Se temos algum conteúdo, certamente é o de gordura hidrogenada de nossos comunitários excessos adiposos.
Na época em que essas pessoas foram crianças – entre 75 e 85 (faça as contas) -, a economia era bem mais precária que hoje. Os pais da classe média não tinham dinheiro para comprar guloseimas.
Todo o dinheiro era usado para coisas supérfluas como educação, roupa, feijão e arroz.
Lembro que iogurte e biscoitos com recheio eu experimentava de vez em quando. Uma vez por mês, se tanto. Certamente, o mesmo se deu com a maioria de meus colegas.
Ao mesmo tempo, havia poucas opções. Duas ou três marcas. Os sabores eram morango, chocolate e baunilha. Só.
Em meados da década de 90 as coisas foram começando a melhorar. A partir de 2000, todas essas pessoas já eram adultas, com seus empregos, seus salários e vivendo em uma economia bem mais estabilizada. A indústria passou a oferecer, ao mesmo tempo, bem mais opções de produtos em todos os setores. As prateleiras dos supermercados passaram a ser um carnaval de cores, sabores e escolhas.
Com poder aquisitivo, estabilidade e opções, é fácil reconhecer alguém da minha geração fazendo compras: observe as cestinhas e os carrinhos. Estarão cheios de doces e tudo o que, na época de infância, esse indivíduo não teve. Pelo menos um pacote de bolacha recheada.
Homens e mulheres entre 35 e 40 anos comprando para si aquilo que seus pais teriam comprado para seus filhos se, na época, pudessem.
A Geração Bolacha Recheada é a filha mimada de si mesma.
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