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O que aprendi sendo namorado de aluguel
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Em 2014, eu lancei o serviço O Namorado de Aluguel (FOTO: hartopdemuur via photopin (license))

No dia 28 de fevereiro de 2014, uma sexta-feira, eu lancei no meu perfil do Facebook, meio que de brincadeira, a ideia de um serviço de namorado de aluguel: veja aqui.

As pessoas reagiram entre o entusiasmo e o incentivo.

Algumas por pensarem se tratar de uma brincadeira.

Outros por gostarem de fato da ideia.

Os comentários foram uma espécie de brainstorming, ajudando a formatar o projeto.

No dia seguinte, manhã de sábado de carnaval, eu comprei o domínio onamoradodealuguel.com (já cancelado) e lancei o site.

A ideia nem é novidade.

Muita gente mais sabida do que eu já pensou nisso, como esta moça dos Estados Unidos e estes canadenses.

Muito bem.

No site, eu oferecia meu tempo e atenção.

Conversando, ouvindo, acompanhando em passeios, fazendo companhia de um modo geral e até oferecendo cafuné, massagem, andar de mão dada e dormir de conchinha (nem todo o mundo gosta de dormir de conchinha, eu sei; podia ser vendido separadamente).

Esse tipo de coisas.

Quanto ao lançamento do site, no dia seguinte: mesmo entusiasmo inicial.

O que já de início me provocou uma séria dúvida.

Primeiras questões levantadas

Eu, um homem, branco, heterossexual e cissexual, com todos os privilégios inerentes a estas características, lançava um site desse tipo e, nele, mostrava minha cara, com links para meu perfil pessoal do Facebook, digamos, minha identidade virtual.

O incentivo das pessoas seria o mesmo se eu fosse mulher?

Não vou responder essa.

Vou deixar que você pense no assunto.

Essa moça é uma p***

Sabe lá do que chamariam essa hipotética mulher.

Nada de errado em se ganhar a vida desse modo, em si.

Pelo menos na minha opinião.

Seria um trabalho como qualquer outro não fosse a sua faceta ligada à exploração de pessoas.

Felizmente já temos políticos sérios trabalhando na regulamentação desse ofício.

Não faltou, no entanto, alguns dias mais tarde quem dissesse, arvorando-se de pessoa inteligente, que o site tinha por título O Namorado de Aluguel por se tratar de um homem.

Pois, se fosse uma mulher, haveria outros ditos ali no alto.

Ora – e agora digo eu -, uma mulher não pode ser A Namorada de Aluguel sem que lhe digam que ela é outra coisa?

Cada um diz o que é e pronto.

Acata-se ou fecha-se o bico.

E, se ela quisesse se denominar simplesmente daquilo que erroneamente usamos como xingamento, no exercício da assim chamada mais antiga profissão do mundo?

Qual o problema?

A coisa foi crescendo (sem trocadilho)

Já no sábado, poucas horas depois de colocar o site no ar, fui procurado por um grande portal e pela afiliada local de uma grande rede de TV.

Confesso que não esperava aquela reação tão imediata. O que me pegou despreparado.

Acabei concedendo a entrevista ao portal.

Por sorte, minutos mais tarde, a repórter, muito simpática, telefonou novamente dizendo que, por falta de personagens, não poderia publicar aquela matéria no momento.

O que eles esperavam?

Que eu desse o nome de uma cliente a quem pudessem entrevistar?

Pouco depois a produtora da rede de tevê telefonou dizendo que não poderia fazer a matéria por conta da conotação sexual do tema.

Foi sorte.

Porque, pouco depois, eu decidi que não deveria dar entrevistas sobre o site e sobre o serviço.

Pois já era suficientemente contraditório que, para um algo que deveria ser tão sigiloso, eu estivesse mostrando a minha cara e meu perfil do Facebook.

Qualquer pessoa que fosse vista comigo, doravante, estaria saindo com “o namorado de aluguel”. Tivesse contratado o serviço ou não.

Aproveitei para tirar qualquer conotação sexual equivocada do texto do site.

Até o fim do projeto – menos de uma semana -, recusei entrevistas de uns cinco sites.

Inclusive de uma repórter que tentou se passar por uma cliente para fazer uma matéria em primeira pessoa.

Também três rádios e, depois de certa negociação – pela qual peço desculpa ao produtor que foi muito querido e sensível -, um famoso programa de tevê cuja pegada levemente humorística me deixou preocupado.

Por que fechei o site tão rapidamente

A questão é que os acessos que começaram com 500 diários, de repente passaram a 1000, depois a 2000 e, finalmente, a 5000 visitas por dia, cada vez vindos de uma fonte diferente.

Uma boa parte das pessoas tinha uma interpretação mais próxima da mensagem que eu gostaria de transmitir.

Mas uma parte maior recebeu tudo de forma distorcida.

Claro. Estamos no século 18. Acho.

Depois de muito ponderar, baseado nessas interpretações erradas, concluí que, mesmo com minhas sistemáticas recusas de entrevistas, nada impedia que algum desses programas com humoristas outrofóbicos pegasse a página, mesmo sem a minha presença e permissão, e veiculassem algo a respeito, afinal ela estava lá, online, para quem quer que quisesse vê-la.

Minha maior preocupação não era a minha exposição, no entanto.

Nem ligo pra isso, como você já deve estar imaginando. Tenho me empenhado, nos últimos anos a desconstruir minha imagem.

Pensei em minhas familiares, na verdade, particularmente minha mãe e minha irmã.

Com isso, decidi tirar o projeto da rede.

Como me senti

Durante a experiência do site, algumas vezes me senti um gênio.

Outras me senti um idiota.

Eventualmente, eu estava certo numa dessas duas opções.

Mas em todas as ocasiões me senti vulnerável. Estar nu não consiste simplesmente em tirar a roupa.

O sentimento mais marcante, no entanto, foi a sensação de ter surpreendido a mim mesmo.

Nem eu contava com o que eu mesmo fiz.

Leia mais sobre surpreender a si mesmo.

Haters

Durante essa experiência de pouco mais de uma semana, tive que lidar com os haters.

Segundo a Wikipedia: Hater é um termo usado na internet para definir pessoas que postam comentários de ódio ou crítica sem muito critério.

São pessoas que se relacionam com o mundo odiando as coisas; em geral têm esse comportamento como padrão, mas eventualmente qualquer pessoa, eu ou você, pode ser um hater, dependendo do dia, do contexto e do tema.

Confesso que nunca precisei lidar com esse tipo de comportamento em grande escala, digo, grande escala para mim.

Para outros, sei lá, tipo a Lady Gaga, a minha experiência deve ser insignificante em comparação.

E eu aprendi na prática algumas coisas que eu já havia elaborado em teoria.

Veja só.

Então, tivemos milhares de compartilhamentos no Facebook e no Twitter.

Diversos deles pouco abonadores a respeito de minha pessoa.

Fui julgado até pelo que bebia e comia: afinal alguém que não beba álcool e não coma carne só pode ser alguém chato, não é mesmo?

(diga-se de passagem: alguém que baseia seus conceitos de diversão apenas nesses dois itens me parece se enquadrar melhor na categoria)

E, surpresa, apesar de eu dar acesso público a qualquer pessoa a meu perfil no Facebook, apesar de eu ter um formulário de contato, nenhuma mensagem desse tipo foi enviada diretamente a mim.

Quem julga, julga de longe.

Das 1650 pessoas que chegaram ao meu perfil do Facebook através do site, nenhuma deixou um comentário hostil ou enviou um inbox mordaz.

Nenhuma.

Só recebi mensagens de incentivo e pedidos de retorno, quando encerrei o site.

Mas aí é que está: apesar de se referirem à minha pessoa, os haters não estavam se dirigindo a uma pessoa que, em suas cabeças, realmente existisse como pessoa propriamente.

Para a maioria delas O Namorado de Aluguel era apenas um personagem fictício que tangenciava muito sutilmente a realidade.

Ele existia, mas é como se não existisse.

E isso vale para qualquer personagem da internet.

Pense em algo, qualquer fato, que provoca consternação, indignação, ódio, candura – ou o sentimento arrebatador que você escolher. E durante os segundos entre a constatação de sua existência e o clicar de botão do RT ou o compartilhar ou o fazer um comentário essa coisa existe.

E, então, esse algo, esse fato, desaparece no minuto seguinte da cabeça da pessoa, no turbilhão do déficit de atenção da internet.

Não há tempo suficiente para a materialização humana nesse processo, a solidificação da pessoa por trás das palavras, da imagem, do vídeo.

A empatia, na assim chamada “vida real”, já é difícil por si só.

Por exemplo, conseguir perceber que o motorista do outro carro que lhe deu uma fechada é gente também. Normalmente, ele dirige bem, educada e cuidadosamente. Está apenas tendo um dia ruim.

A existência dos outros é difícil de ser percebida quando estamos muito voltados para nós mesmos.

A empatia na internet – que não deixa de ser a “vida real” também – é mais difícil ainda.

Então, nesse caso,  trata-se apenas de uma URL, algumas palavras, uma foto. Uma ficção, mas que tem uma pessoa de verdade nos bastidores.

E no correr dos RTs, dos compartilhamentos e dos comentários, é impossível perceber isso.

Já escrevi sobre isso: Na internet, ainda estamos na idade das cavernas.

E aqui um texto em inglês sobre como lidar com haters.

Aparentemente, como lembrou a amiga e leitora Beth: as pessoas se irritam com gestos e atitudes que não lhes dizem respeito. Lembre-se, no entanto, a irritação delas também não lhe diz.

De fato, fui tão fictício para os haters quanto os haters foram pra mim.

A verdade vos libertará

Não a verdade que você ouve. A que você diz.

Ao se movimentar e falar autenticamente durante a vida, você acaba afastando as pessoas menos tolerantes, mantendo as tolerantes por perto e aproximando as que se identificam com suas ideias e com seu jeito de ser.

Se você age de acordo com regras que não lhe dizem respeito, acabará atraindo pessoas que nada têm a ver com aquela forma que seria a sua mais autêntica de existir. Tá aí uma boa receita para ser infeliz e insatisfeito com a vida.

Para quem era O Namorado de Aluguel

Uma das coisas que mais li, principalmente de mulheres, é que O Namorado de Aluguel só seria contratado por mulheres de baixa autoestima.

Bem ao contrário.

Só contrataria O Namorado de Aluguel uma pessoa que sabe o que quer e que não se importa com o que os outros podem pensar daquilo que ela faz.

Claro que ela contrataria por questões que tem por resolver, sejam afetivas, psicológicas, de falta de tempo ou sobra dele ou simplesmente porque querem alguém que lhe dê atenção durante um período (atenção manifestadada das mais diferentes maneiras) sem precisar do pacote completo de um relacionamento: mas, fato, ela sabe o que quer e faz o que quer.

De baixa autoestima, normalmente, é a pessoa que precisa se pautar antes pelo olhar do outro, reprimindo o seu.

Ela mesma, no entanto, é sua pior crítica, pois toma sob sua responsabilidade todas as opiniões que acredita que os outros têm dela.

E que nem têm. Ninguém está olhando para ela. Ninguém se importa com ela.

Viver assim durante muito tempo, acaba por tornar você insignificante, alguém para quem ninguém olha ou se importa com o que faz ou deixa de fazer. É um comportamento auto-realizatório.

Assim, se você acredita que um serviço como O Namorado de Aluguel só seria contratado por alguém com baixa autoestima, eu ficaria de olho na minha própria autoestima.

E eu não andaria com você nem pagando.

Vender amor

Quanto a vender amor: eu não estava vendendo isso.

A maior parte das pessoas que criticou negativamente o site o fez por conta disso: no entanto, eu estava vendendo, na verdade, tempo e atenção.

Estava ali, com todas as letras no site.

Porém, o analfabetismo funcional assola o mundo.

Eram R$ 100 reais a hora.

Era caro por um lado: quantas pessoas teriam R$ 800 para passar a noite comigo?

Poucas.

Mas era barato por outro.

E esse é o ponto do site, que servia mesmo para quem não quisesse o serviço: a noção do quanto vale o tempo que você passa com as pessoas que amam você e lhe dispendem tempo e atenção.

Eu sei.

Não existem sequer muitos namorados e namoradas que fazem isso.

Mas certamente esse tempo vale bem mais que R$ 100 a hora.

Se você tem alguém por quem você faz isso e que faz isso por você, jogue suas mãos para o céu e agradeça.

Qual foi a última vez que você foi realmente ouvido ou ouvida por alguém que não estava julgando você ou pensando na resposta que iria dar a seguir ou a pergunta que faria no segundo seguinte?

Quando foi a última vez que você fez isso?

O valor que eu disponibilizei no site, portanto, era barato, sim.

Atenção é uma commodity raríssima.

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