Tenho lido alguns argumentos sobre as desvantagens do salário mínimo.
O principal deles diz respeito ao fato de que ele aumenta o desemprego: se eu tenho que pagar mais pelo trabalho de alguém que não produz o suficiente é preferível nem contratar.
Assim, na outra ponta, pessoas que estariam dispostas a trabalhar por menos do que o salário mínimo, ficam desempregadas, ganhando zero dinheiros.
Com mais desemprego, mais insatisfação, a economia não cresce etc etc etc.
Um dos fatos apontados por quem usa estes argumentos é a história de que mesmo havendo um salário mínimo regulamentado, existem salários superiores ao salário mínimo.
Isto é: ainda que não houvesse uma regulação do menor salário possível legalmente haveria sempre aquelas funções pelas quais seriam pagos maiores valores mensais.
Basicamente, essa é uma vertente que defende menos regulação do estado sobre a economia.
Tenho minhas dúvidas quanto aos benefícios disso. Se ainda precisamos de regulação para coisas tão óbvias quanto a cuspir e jogar lixo no chão ou matar nossos semelhantes, (coisas que, espero, você saiba que não devemos fazer), não sei o que poderia acontecer no caso de temas com regiões mais cinzentas como os econômicos.
Um bom exemplo da necessidade da intervenção do Estado em muitas situações está no livro Justiça – O Que É Fazer a Coisa Certa, de Michael Sandel. O professor do curso Justiça, de Harvard, nos conta que em 2004 a Flórida foi atingida por um furacão e alguns comerciantes, aproveitando-se da menor oferta e maior demanda de produtos criada pela tempestade, passaram a cobrar preços abusivos. Para ficar em um só item, geradores domésticos de energia passaram de US$ 250 para US$ 2 mil.
Acredite: muita gente vai defender que não há nada de errado em lucrar sobre a tragédia alheia. Ainda que, em uma situação dessas, as pessoas envolvidas não estejam entrando de livre e espontânea vontade e sim sendo coagidas a adquirir itens básicos de sobrevivência, como água e energia, a preços extorsivos, em que, sem a interferência do estado, o mercado tem mais liberdade que o cidadão.
Assim, os defensores do livre mercado, no que diz respeito ao salário mínimo e outros temas correlatos, costumam atentar para a lógica do mercado, regida pela oferta e pela procura. Matematicamente falando é uma lei perfeita, mas não estou certo de que possamos separar o elemento humano dessa lei perfeita, sobretudo considerando a imperfeição humana. A lei da gravidade é perfeita e nada impede que uns saiam pulando ou empurrando os amiguinhos de prédios. O problema não está nas leis de mercado, mas na maneira que nos comportamos diante delas, como fazemos uso delas, movidos por emoções como medo ou ganância. E, sobretudo, como fazemos uso delas diante do medo e da ganância dos outros.
Se eu ganho menos de um salário mínimo ou um valor muito baixo para meu trabalho, convém sair desse emprego. Qualquer um que já tenha trabalhado em algum lugar que o deixasse descontente sabe muito bem que entre a sua sensibilidade de que algo está errado e a decisão de deixar o emprego existe uma larga terra de ninguém a ser cruzada, onde muitos fatores contarão: dívida, período de desemprego, família para cuidar e, mesmo que já haja outro emprego supostamente melhor em vista, se realmente a decisão vale a pena.
Existem muitas outras leis – além da fria matemática de mercado – que regem a economia e, no caso, a necessidade ou não da existência de um salário mínimo.
Tudo isso me incomodou imensamente, sobretudo depois de ler este e este artigo, baseados nos ensinamentos do agora tão modinha Mises.
Os textos estão até bem argumentados, mas considerando que, mesmo com a regulação do estado no que diz respeito à salário mínimo, ainda temos até trabalho escravo por aí e gente que luta pelo direito de ter escravos (tudo dentro das leis do livre mercado), senti que os artigos insistiam palavra por palavra em esquecer as implicações éticas e morais da economia, coisa que só seria possível se fôssemos máquinas matemáticas e não seres humanos.
Em minha opinião isso não é possível. Repito: as leis de mercado são perfeitas, matematicamente fazem todo o sentido, mas não podem ser aplicadas a seres imperfeitos, com ódio, medo, ganância, orgulho e outras características melhores ou piores.
Já temos gente trabalhando por menos que um salário mínimo. Se você entrar em qualquer magazine de moda mais ou menos popular – e já ouvimos falar muito de casos assim, inclusive em estabelecimentos que funcionam em shoppings – vai encontrar diversas roupas produzidas por gente que trabalha por uma miséria. A quem você está querendo enganar?
Muitos de nós estamos num trabalho cujo ambiente e salário não nos agrada pelos mesmos motivos que aquelas famílias precisaram comprar geradores por US$ 2 mil na Flórida. Nem sempre isto fica claro pois tendemos, hoje, a pensar de forma mais individualista.
Assim, passei a tarde de ontem a procura de um texto que me ajudasse a argumentar da forma mais desapaixonada possível sobre a necessidade da existência de um salário mínimo regulado pelo Estado.
E, veja só, o meu amigo Marco Carvalho me apresentou este vídeo em que Nick Hanaeuer diz como Seatle, dobrando o salário mínimo, se tornou uma das cidades estadunidenses que mais cresce.
Nick Hanauer não é nenhum comunista: ele é um daqueles que fazem parte do 0,01% que detém, sei lá, 90% da riqueza do mundo.
Ele compra companhias por milhões e, meses depois, as vende por bilhões. Ele e seus amigos têm um banco e começa sua fala dizendo que tem uma vida que nenhuma das pessoas na plateia pode imaginar.
Hanauer se define como um plutocrata a espera de, se a desigualdade continuar a crescer como tem crescido, que as pessoas vão atrás dele e de seus amigos ricaços com tochas e forcados. “Me mostre uma sociedade altamente desigual e eu vou te mostrar um estado policial ou uma insurreição. Os forcados vão vir atrás de nós se não dermos um jeito nisso. Não é um ‘se’, é um ‘quando'”, diz ele
Ele defende que a melhor forma de acabar com a desigualdade é deixar de lado a “filosofia das migalhas” e investir no crescimento da população que se insere na classe média. Ele insiste que todos os programas sociais do governo sejam mantidos e ampliados, mas que os salários mínimos sejam aumentados de maneira que as pessoas, cada vez menos, precisem deles.
Diz ele:
A economia de classe média rejeita o pensamento econômico neoclássico de que economias são eficientes, lineares e mecanísticas, de que elas tendem ao equilíbrio e à justiça, e, no lugar, abraça a ideia do século 21 de que economias são complexas, adaptáveis, ecossistêmicas, de que elas tendem contra o equilíbrio e a favor da desigualdade, de que não são nem um pouco eficientes mas são eficazes se bem administradas. Essa perspectiva do século 21 permite ver claramente que o capitalismo não funciona alocando eficientemente recursos disponíveis. Ele funciona eficientemente criando novas soluções para os problemas humanos.
(…)
Nós plutocratas temos que deixar essa economia de migalhas para trás, essa ideia de que quanto melhor nos dermos, melhor o resto do mundo vai se dar. Não é verdade. Como poderia ser? Eu ganho mil vezes o salário médio mas não compro mil vezes mais coisas, compro? Eu comprei dois pares dessas calças, que o meu parceiro Mike chama de “calças de gerente”. Eu podia ter comprado duas mil calças, mas o que eu faria com elas? (Risos) Quantas vezes eu posso cortar o cabelo? Quantas vezes eu posso sair para jantar? Não importa quanto dinheiro alguns plutocratas ganhem, nós nunca vamos conseguir manter uma economia nacional forte. Só uma classe média próspera pode fazer isso. Não há nada a fazer, meus amigos plutocratas podem dizer, Henry Ford é de outra época. Talvez não possamos fazer algumas coisas. Talvez possamos fazer algumas coisas. Em 19 de Junho de 2013, a Bloomberg publicou um artigo meu chamado “O Argumento do Capitalista A Favor de Um Salário Mínimo de US$15”. As ótimas pessoas da revista Forbes, alguns de meus maiores admiradores, o chamaram de “A insana proposta de Nick Hanauer” E mesmo assim, meros 350 dias após a publicação do artigo, Ed Murray, o prefeito de Seattle, sancionou a lei aumentando o salário mínimo na cidade para US$15 a hora,mais que o dobro do valor federal prevalente, US$7.25. “Como isso aconteceu?”, pessoas sensatas podem perguntar. Aconteceu porque alguns de nós lembraram a classe média que eles são a fonte do crescimento e prosperidade nas economias capitalistas. Nós os lembramos que quando trabalhadores tem mais dinheiro, os comércios tem mais fregueses e precisam de mais empregados. Nós os lembramos que quando os empregadores pagam um salário digno, os contribuintes são aliviados do peso de financiar programas de assistência social como valerrefeições, assistência médica e assistência de aluguel de que os trabalhadores precisam. Lembramos eles que trabalhadores mal pagos são péssimos contribuintes, e que quando você aumenta o salário mínimo para todos os negócios, todos eles se beneficiam e mesmo assim todos podem competir.
Agora, a reação ortodoxa, é claro, é a de que aumentar o salário mínimo causa desemprego, certo? Seu candidato está sempre papagaiando essa ideia das migalhas ao dizer coisas como “Bom, se você aumentar o custo do emprego, adivinhe? Você tem menos emprego”.
Aparentemente os empregadores encaram o emprego e o seu custo como um “produto” e não como um recurso para todos: é um pensamento individualista que não pensa no todo.
Você está certo disso? Porque há algumas provas do contrário. Desde 1980, os salários dos CEOs no nosso país foram de 30 vezes o salário médio para 500 vezes. Isso é aumentar o preço do emprego. E mesmo assim, pelo que eu sei, nunca uma empresa terceirizou o trabalho do CEO, o automatizou ou exportou para a China. Na verdade, parece que estamos empregando mais CEOs e gerentes seniores que nunca. Assim como especialistas em tecnologia e em serviços financeiros que ganham várias vezes o salário médio e mesmo assim empregamos cada vez mais deles, então claramente é possível aumentar o preço do emprego e ter mais dele.
Existem muitos outros pontos altos nesta palestra e eu recomendo veementemente que você a assista antes de dizer que o salário mínimo (e demais proteções ao trabalhador) são ruins para a economia.
Se vale a lei de mercado pra você, vale também aquele dito estadunidense que ganha qualquer argumentação: “show me the money” ou “me mostre a grana”.
E este cara tem mais que nós dois juntos certamente. Vale a pena escutar o que ele tem para dizer: