Sem querer erguer bandeira, Roberto Alvim, Mário Bortolotto e Gabriela Melão se opõem à louvação do processo de criação coletiva, defendendo que a dramaturgia tem mais potencialidade se criada por um autor e expandida pelo encenador e os atores posteriormente. Os três se encontraram na mesa-redonda da Mostra de Dramaturgia do Sesi/PR.
Mario Bortolotto, que entrou no debate com uma piada (“É para falar do papel do dramaturgo? Geralmente é A4.”), lançou essa: “Eu não acredito em processo colaborativo. Prefiro ser responsável pelos meus próprios erros. Procuro não assistir…”
Roberto Alvim argumentou em defesa. Contou de quando escreveu Hamlet, uma resposta à tragédia de Shakespeare que está sendo dirigida por Juliana Galdino. “Assisti metade da peça antes de escrever a outra metade, isso influencia. Mas concordo que não é necessário”, disse.
“Uma dramaturgia nunca deve ser escrita pensando em como ela deve ser encenada. É uma pobreza muito grande para o texto. Acho que muitas vezes é melhor a pessoa não sendo em absoluto de teatro, como no caso do Jon Fosse.
Se eu me proponho a montar aquilo ali, eu, o elenco, o próprio teatro será engrandecido, porque não dá para aplicar o repertório metódico anterior, preciso descobrir uma tradução poética. A responsabilidade do dramaturgo é muito grande hoje: como dar conta de todas essas vozes, dinâmica de signos, ruir de barreiras. Colocar dez pessoas numa sala dando opinião para dar conta disso é falso, depende de quem são essas pessoas, em que medida encontraram liberdade de impressão, porque a liberdade de expressão não é nada sem liberdade de impressão.” Alvim defende o que chama de “arrogância”, num sentido positivo, de trazer para si a responsabilidade.
O diretor de Como se Eu Fosse o Mundo, em cartaz no Fringe, chama a atenção para como dramaturgos (cita Sófocles, Heiner Muller, Tchekhov) propuseram visões de mundo que provocaram a necessidade de reinventar o modus operantis da encenação: a dramaturgia influindo na montagem. Por exemplo, as rubricas impossíveis de realizar propostas por Sarah Kane, como ratos que entram em cena e devoram os homens ou personagens que vão perdendo partes dos corpos, pedem uma tradução cênica que recrie a força poética no palco. “São autores que propõe experiências coletivas que ampliam nossa percepção sobre estar na terra. O campo da arte é único onde essa experiência pode se ampliar. A instância humana ainda é infinita.”
Para o diretor e dramaturgo, essencial para escrever bem é escolher bem com quem dialogar. “Se você não dialoga com o entorno, o que te resta é a mudez. Harold Pinter, Michel Vinaver vão gerar um tipo de resposta na sua escrita muito distinto do que é gerado no Brasil com Manoel Carlos ou Sílvio de Abreu, que são instâncias no nosso imaginário. Dialogando com cultura de massa só vai repetir estruturas da cultura de massa, que são a morte, porque nos limitam, são castradoras do que é ser humano.”