Oxigênio estreou ontem na sede da Cia. Brasileira de Teatro. O espetáculo põe dois atores e um músico em um cenário que serve ao show musical tanto quanto ao desfile de moda. Duas referências à cultura pop, consumista ou underground marcantes para a geração retratada.
Os atores Rodrigo Bolzan e Patrícia Kamis narram a história de um crime passional cometido por um casal russo. Desse mote, porém, surge uma série de questões éticas que discutem a democracia, a vodka e a maconha, os árabes e os judeus, a Jihad e o amor. Os argumentos são polêmicos e contundentes. Sobretudo, extremamente vinculados à realidade mundial atual e à maneira como a ela reagimos.
Ontem publiquei
Narrativas
Márcio Abreu comenta o que o atraiu a encenar a peça do dramaturgo russo contemporâneo Ivan Viripaev: “Tinha muita relação, na dramaturgia, com a inquietação em que estamos metidos. Tomar a palavra e criar a ponte (com o público). A arquitetura de Oxigênio tem uma reflexão radical sobre isso. É radicalmente narativa. A história caba sendo um pretexto pra rever o lugar do teatro e como se estabelece a presença diante do público.”
Em algumas cenas, o diretor e os atores ainda discutem o como dizer: não necessariamente qual inflexão, mas o posicionamento artístico. “Como compartilhar, sem julgamento, com o público para pensar junto?”, pergunta Márcio.
Uma cena emblemática leva Patrícia junto à platéia para reclamar por nada mais ter a dizer, pois o autor, ocupado em defender as ideias dele, não escreveu para a atriz contra-argumentos.
Se o tema criminoso e a linguagem narrativa lembrar, por exemplo, Menos Emergências, montada pela Pausa, Giovana Soar responde, comparativamente: “O discurso é muito mais amplo.” Márcio explica: “Oxigênio não revê a história da Rússia – indiretamente é possível pensar na história recente do país -, mas revê a confusão mundial dessa geração” Cada cena é deflagrada por uma menção ao Sermão da Montanha, que levanta novas questões éticas. “Uma reflexão sobre o que é essencial a cada um e justifica seus atos.”
Em Vida, a companhia fugiu de se aproximar de Leminski pelo seu lado polêmico. Oxigênio comporta a polêmica, mas em outra chave.”O Leminski, como figura, é afogado pelas polêmicas ao redor dele e da obra dele, que é muito mais interessante. Aqui a polêmica constrói o texto, está na estrutura.”
Como em outras montagens da companhia (a banda em Vida ou a musicalidade nas falas de Suíte 1), Márcio aproveitou para usar a música dramaturgicamente. “O sentido nasce não só dos conteúdos, mas de sonoridades autônomas.” Patrícia toca bateria e Rodrigo Bolzan canta, acompanhados por Gabriel Schwartz, autor da trilha sonora que a executa ao vivo, ou Vadeco, com quem o músico reveza quando tem outros compromissos.
Tradução
Ivan Viripaev nasceu na Sibéria, extremo oriente da Rússia e berço do movimento do “novo drama russo”, como os irmãos Presniakov – de quem se encenou a peça Terrorismo, em São Paulo, há alguns anos. “Esse novo drama russo é das coisas mais interessantes com que tenho tido contato de tentativa de escrita para o teatro em relação com o próprio ambiente”, diz Márcio.
Traduzir a peça, porém, se revelou mais complicado do que parecia. Na tentativa de fazê-lo direto da língua original, a companhia chamou a professora russa Irina Starostina, a mesma que ensinou Ranieri Gonzalez a pronunciar os versos de Maiakovski em Vida, mas seu domínio do português não foi suficiente. Apoiados também no francês, Márcio, Giovana Soar e os atores assumiram juntos a tarefa. “Irina serviu mais para decifrar os enigmas. Foi quase uma transcriação.”
O universo de referências russas se mantém, atualizado por comparações à realidade brasileira e curitibana, trazendo a cena para o aqui e agora.
Atores
O paulista Rodrigo Bolzan, há quatro anos integrante da Cia. do Latão, já havia trabalhado com a Cia. Brasileira em Apenas o Fim do Mundo, substituindo Rodrigo Ferrarini nas temporadas de São Paulo e Rio de Janeiro. A curitibana Patrícia Kamis, por sua vez, se junta ao grupo pela primeira vez. “Queríamos atores que pensam, discutem, são maleáveis”, diz o diretor.
“O Márcio desde o começo sabia muito bem o que queria. Ele deixa um espaço aberto para a gente propor e criar, e se não está bom, sugere”, diz Patrícia. “Somos atores jovens, presos a padrões de um teatro antigo. Se a gente se descuida, volta à quarta-parede, à bobagem de interpretar e representar.”
Bolzan, acostumado ao teatro épico brechtiano, que trata de outra maneira da narrativa e da interlocução com o público, completa: “O Márcio tem essa obsessão de pegar os textos e assuntos que o interessam e elevar a palavra ao primeiro plano. É incansável.”