É engraçado como nascem os apelidos que damos as pessoas, não? Parece que algo salta os olhos e uma determinada característica ou comportamento fica tão evidente, que a gente é capaz de identificar a pessoa como se fosse seu próprio nome, o primeiro traço de individualidade.
E com a Ana Lara foi assim. Desde pequena ela já mostrava traços de uma personalidade firme e era extremamente organizada.
Como tinha o hábito de anotar tudinho e fazia listas de tarefas, recebeu o carinhoso apelido de Anota-anota, que depois acabou simplificado para “Notes”.
Os pais, amorosos e compreensivos, não eram assim e sempre se perguntavam o que acontecia com a menina, sempre tão compenetrada e responsável. Eles tinham lá suas suspeitas… Uma vez, Ana Lara esqueceu um trabalho da escola no carro. Ao buscarem a menina no final da tarde, seus olhinhos estavam vermelhos de tanto chorar. Ao indagarem o que houvera, ela relatou que a professora chamara sua atenção na frente da sala toda, pois fora a única a esquecer a atividade e que ela deveria anotar as tarefas para não esquecê-las. E mostrou uma fitinha amarrada no pulso. Segundo a professora, um lembrete amigo para que não repetisse o mesmo erro.
Se foi isso ou não, nunca se saberá ao certo. As vivências da infância deixam marcas profundas, seja de alegria ou tristeza, amor ou dor, aceitação ou rejeição. O fato é que ela não tirou a pulseira e providenciou uma agenda, complementar aquela da escola, onde anotava absolutamente tudo.
Fato também que ela nunca mais se esqueceu de nada…
O tempo foi passando e Notes crescendo. Sua organização, era o traço mais marcante de sua personalidade e se estendia das tarefas acadêmicas para vida pessoal. Em seu quarto, havia um cronograma detalhado de suas atividades diárias, onde constava desde o tempo possível a ser utilizado no banho, tempo para café da manhã, tempo de deslocamento até a escola até tempo para lazer. Por exemplo: uma hora para assistir TV, duas horas de leitura, uma hora para caminhar no parque e assim por diante.
Tudo, absolutamente tudo era cronometrado. Além do cronograma diário, havia também o semanal, mensal e o anual. E assim, ela não esquecia nada e otimizava seu tempo.
Tinha poucos amigos sabe? Era duro conviver com uma pessoa que já chegava dizendo: “Oi pessoal! Tenho 47 minutos para ficar com vocês hoje!” Ou então; “Cinema hoje? Agora? Não, não me organizei para isso e vai furar todo meu planejamento!”
Ela não tinha tempo para amizades. Nunca incluía na sua agenda uma visita cordial nem tampouco um tempo para um café. Ela se sentia “perdendo tempo” com tudo aquilo uma vez que a agenda borbulhava de compromissos. E ela achava que podia deixar tudo os “CP”, compromissos pessoais para períodos menos turbulentos.
A família e os amigos bem que tentavam, mas quando ligavam, ela respondia em monossílabos pois falava ao telefone, mas sua mente estava na tela do computador ou em sua agenda.
Quando aconteceu o “bum da comunicação” e os celulares se transformaram em smartphones, ai ela foi “perdida de vez”. Sabe aquele tipo de pessoa que está conversando com você, mas com os olhos focados na telinha?
Enfim…
Era uma excelente aluna e graduou-se com louvor na universidade. Não foi surpresa que ela escolheu a profissão de administradora de empresas.
Empregou-se com relativa facilidade e logo vieram as promoções. Galgou cargos dentro da empresa multinacional e não foi surpresa para ninguém quando se tornou uma das diretoras. Afinal, como ela mesma se intitulava, era a grande Ana Organização Lara!
A história da vida de Notes deu uma guinada de 180 graus em uma viagem de trabalho. Ela foi participar de um evento da empresa em outro país. Muito organizada, chegou ao aeroporto com três horas de antecedência para despachar as malas. A primeira “encrenca” foi relativa a sua mala de mão. Segundo a companhia, o peso excedia o permitido e a mala deveria ser despachada. Notes se sentiu congelar! Como se separar da sua agenda? Do seu notebook? Das suas anotações pessoais?
Enfim, não houve negociação e lá partiu ela portando os documentos e o celular.
Já no avião, sentiu-se gelar novamente… Sua carteira, com dinheiro e cartões, havia sido despachada na mala de mão…
Mas, não havia nada a ser feito. Ela se ajeitou e ouviu uma criança comentar com a mãe: “Mamis! Eu amo viajar de avião porque a comida é sempre surpresa!”. Ela riu por dentro… Para ela não havia surpresas. Até a comida do voo havia sido pedida com antecedência.
O voo foi tranquilo e pousou no horário previsto. Ao desembarcar, uma pequena surpresa. As malas haviam sido extraviadas. Notes achou que ia desmaiar. Imediatamente pegou o celular para solicitar a ajuda do seguro, mas o celular estava sem bateria e claro, o carregador estava na mala de mão.
E como há muito tempo não acontecia, Notes chorou. Ai que raiva! Quando pegar minha agenda vou escrever “Pior dia da minha vida!”, pensou consigo mesma.
A companhia aérea foi muito solicita e providenciou um hotel, já que não havia voucher daquele outrora reservado e uma quantia modesta para compra de itens básicos. As malas chegariam em 48 horas.
Ana Lara se surpreendeu com o hotel! Era bonito e colorido. Muito diferente daqueles quartos da rede que normalmente se hospedava.
Ao sair para comer, entrou em um bistrô na rua, muito charmoso. E sentiu uma leve estranheza ao tocar o menu. Nunca escolhia suas refeições “na hora”. Sempre fazia a reserva e já determinava o prato e a hora de servir…
Tomar um vinho enquanto aguardava a comida, saboreando a movimentação da avenida e o ar fresco que contrastava com o sol, foi completamente inesperado. Mas, divino…
Como não tinha nada para fazer a não ser esperar, pediu uma sobremesa! Como é bom comer um doce, pensou Notes! Ela seguia rigorosa dieta e não se lembrava da última vez que havia degustado uma iguaria dos deuses como aquela!
Viu ao longe um quiosque de bicicletas de aluguel. Uma vontade louca de sentir o vento nas ventas, conduziu-a para lá.
Em poucas palavras, o “bicicleteiro chefe” a orientou sobre um lindo trajeto, que passava por uma ponte florida e um pitoresco bosque.
E lá foi ela, rindo de si mesma. Toda elegante, em tailleur de grife, empoleirada e desajeitada numa bike de aluguel.
Sentiu falta do celular sim, mas para registrar os lindos lugares por onde passou…
Ao chegar a ponte, parou para apreciar o local. Mas não ficou muito tempo sozinha. Um homem parou próximo onde ela estava.
Ela reconheceu suas feições, mas julgou estar ficando “lelé” ou sob efeito do vinho. De repente, ele olha e diz: “Notes? É você?”
Foram amigos de infância e João Pedro agora trabalhava como arquiteto naquele país. E, sem qualquer planejamento, aquele encontro foi perfeito. Conversaram por horas e se despediram combinando um jantar.
Notes se apressou em voltar, afinal precisaria de ROUPAS e SAPATO!! Tinha pouco dinheiro e muita vontade de ficar bonita! Pediu indicações no hotel de uma loja modesta e acabou em um brechó. E, amou! Foi surpreendida pela qualidade das peças, atendimento e pelo conceito de sustentabilidade aplicado na prática.
Na hora combinada, ela estava… no banho ainda! Desceu, quase 20 minutos atrasada, pela primeira vez na vida!
João Pedro pareceu nem perceber o atraso. Era só sorrisos.
O jantar foi maravilhoso e os olhares indiscretos do porteiro do hotel foram testemunhas de um suave beijo de boa noite.
Ao chegar ao quarto, outra surpresa. As malas haviam chego. Instintivamente buscou a agenda, abriu e escreveu sob todas as anotações daquele dia: DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA!
Jogou-se na cama de roupa e tudo e num insight entendeu a frase: “Permita-se viver!”
Por Dani Lourenço
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