Foi há muito tempo, anos 80. Era minha primeira vez em Madri e numa circulada pela Gran Via – a mais central das avenidas da capital espanhola – parei para observar algumas lagostas vivas fazendo evoluções no enorme aquário. Cena rara no Brasil de então, limitadíssimo nas importações e na exploração das tantas espécies habitantes em seus mares (pelo menos para nós, do Sul).
Tanto me interessei que resolvi entrar. Sirena Verde era o nome do restaurante – que existe até hoje, com a mesma qualidade em frutos do mar. Mas não fui de lagosta. O que me interessou no cardápio foram os Calamares en su tinta, de que também nunca havia ouvido falar. Como assim, en su tinta? É cozido na própria tinta que o bicho usa para se camuflar – respondeu o garçom. Novidadeiro que sou, não pestanejei e pedi. Que vengan los calamares!
Fiquei fascinado. Tudo escuro, lembrava uma feijoada (alguns juram que no sabor também tem alguma coisa), mas com um perfume inigualável, a se confirmar no paladar. Tanto fiz que consegui arrancar a receita (meio que por alto, sem boa vontade por parte do cozinheiro) e comecei a fazer por aqui, sempre que possível.
Lembro-me de uma vez em Ingleses, Florianópolis, onde costumamos passar alguns dias nas férias, de o vizinho, morador local, ter ido pescar lulas ali no Costão, bem em frente (lulas, como já deveria ter explicado antes, são o que os espanhóis chamam de calamares). Veio com algumas enormes e me ofereceu. Claro que aceitei e fui para a cozinha, para chamá-lo dali um tempo, oferecendo o prato. Tanto ele se espantou que correu chamar a mulher para ver aquilo. Já haviam comido lulas de todas as maneiras, “mas com essa coisa preta, não sei não”. Claro que comeram e adoraram, embora sempre me esperem para a próxima vez, pois dizem não saberem lidar direito com as tintas sem pintarem toda a cozinha de preto.
Fazia tempo que a gente não comia por aqui. A Graça foi quem lembrou, puxando pela saudade. Tinha algumas lulas compradas fresquíssimas que vieram a mais e tivemos de congelar. Inteiras, com tudo a que tinham direito, inclusive os saquinhos de tinta. Foi só começar a descongelar de véspera, na geladeira, limpar e preparar.
Em relação à receita original, pela primeira vez nesses anos todos inseri um toque de vinho branco. Ficou muito bom, já agreguei como definitivo aos demais ingredientes.
A única questão que sempre me pega é a foto. Como fazer para dar mais destaque para um prato que é preto com preto? Mas, com o passar dos tempos fui melhorando. E essa de agora até que dá para causar boa impressão.
(Texto atualizado com base em outro já publicado no blog anterior, em 2010.)
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Calamares en su tinta
Ingredientes
1,8 kg de lulas inteiras
½ xícara de azeite de oliva
1 xícara de cebola picada
2 dentes de alho, amassados e picados
1/3 de xícara de salsinha picada
1 colher (chá) de sal
pimenta-do-reino (moída na hora, de preferência) a gosto
½ xícara de vinho branco
1 xícara de água fria
2 colheres (sopa) de farinha de trigo
Preparo
Limpe as lulas, reservando cuidadosamente os saquinhos de tinta. Corte as lulas em anéis de 1 cm e deixe os tentáculos inteiros.
Numa frigideira grande, aqueça o azeite e refogue a cebola até murchar. Acrescente o alho, refogue mais 1 minuto e adicione as lulas e a salsinha. Mantendo fogo forte, mexa por 5 minutos. Junte o vinho branco e deixe reduzir por 2 minutos.
Tempere com sal e pimenta. Tampe a frigideira e cozinhe lentamente por 20 minutos.
Enquanto isso, amasse os saquinhos de tinta sobre uma peneira. Despeje a água e esprema novamente. Junte a farinha de trigo e misture bem, até que não haja mais grumos.
Despeje a mistura da tinta sobre as lulas, mexendo sem parar até levantar fervura. Reduza o fogo e cozinhe por mais 5 minutos.
Retire do fogo e deixe descansar por mais 5 minutos, antes de servir.
Rendimento: 6 porções.
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