Semanas atrás o programa MasterChef Brasil surpreendeu os concorrentes com a proposta de cozinhar com carne de jacaré. Foi uma exclamação geral, entre o susto, a surpresa e o medo do desconhecido.
E o assunto tomou conta dos aficionados em gastronomia nas redes sociais. Coincidentemente, na mesma semana, a Rede Festval de Supermercados começou a vender carne de jacaré em suas gôndolas de produtos congelados. Para tanto, organizou um evento interno com seus próprios funcionários ligados à área do produto, para que pudessem provar e entender o que estariam vendendo aos clientes do supermercado. E eu, de metido, estava por lá.
Tive a oportunidade de acompanhar esse, digamos, treinamento e participar da degustação de alguns pratos feitos com a carne de jacaré, da lavra do chef Helvecio Maciel, contratado da Caimasul – Caimans do Sul do Pantanal, empresa responsável pela criação dos jacarés em cativeiro, abate e comercialização.
Gostei muito. Não que tenha sido a primeira vez, mas nas oportunidades anteriores não fiquei plenamente satisfeito. Tudo ok, bom… e daí? A primeira foi já perto de 30 anos passados, num restaurante que ficava exatamente naquele bico de confluência das ruas Tapajós e Hugo Simas. Chamava-se Adega do Caçador (quem lembra?) e tinha, evidentemente, opções de carne de caça (hoje acho que funciona uma farmácia no local), dentre as quais pedimos jacaré. Era um ensopado, com gosto de peixe. Nem bom nem ruim, passável. Depois comi no Mato Grosso do Sul, grelhado, mas estava meio seca a carne, que é muito magra.
Pois agora veio a oportunidade e me encantei. O chef Maciel começou servindo um Ceviche de jacaré, com a carne da cauda e um leche de tigre usando pouco limão e mais de um coulis de pimentão amarelo
(disse que a receita original levaria Aji, mas não tinha disponível). Muito saboroso. Em seguida veio um Filé de lombo, com purê de beterraba, redução de laranja, cenoura, lascas de rabanete e ervilha-torta. Nos dois casos o sabor pendia para o peixe, mas não sem deixar um toque próprio.
O terceiro prato foi um arraso, Coxa confitada (três horas de cozimento a fogo baixo no azeite, com salsão, cenoura e cebola) com polenta e molho rôti. Embora o jacaré seja um bicho grande, as coxas são minúsculas e aí já há variação de sabor, lembrando carne de caça ou algo assim entre o frango e o coelho. Uma delícia mesmo.
Para terminar, algo mais popular, mas não por isso menos gostoso. Moqueca de jacaré, feita com a ponta da cauda e cozida com óleo de coco e todos os condimentos nordestinos de qualquer moqueca (dessa consegui a receita e publico lá em baixo). Foi servida com uma crocante farofa de dendê.
A criação
A carne do jacaré pantaneiro (Caiman yacare) tem os valores nutricionais como maior teor de proteína e menor valor calórico, que impulsionaram a consolidação do produto no mercado nacional despertando o interesse daqueles que ainda não conhecem.
A Caimasul utiliza de forma sustentável as populações naturais de jacarés, que é um importante recurso renovável do Pantanal, não introduzindo nem modificando o ecossistema pantaneiro. A coleta dos ovos de jacarés é autorizada e cumpre as normas do Ibama. A população ribeirinha participa da coleta e em cada ninho é possível encontrar cerca de 30 ovos.
A autorização para coleta tem limite máximo de 5% da população total e o índice de sobrevivência dos filhotes em cativeiro chega a 85%, enquanto os que permanecem ao ar livre atingem no máximo 2%, por conta de predadores e outras intempéries desfavoráveis.
Para comercialização, estão disponíveis sete cortes, a saber: Ponta de cauda, iscas, coxa, filé mignon, filé de dorso, filé de cauda e filé de lombo. Mais o jacaré inteiro, eviscerado.
Os números de comparação apresentados pelos criadores são bem significativos. A carne do jacaré, por exemplo, tem 12% a mais de proteína que uma bisteca bovina. Tem 200% a mais de fibra alimentar que o peixe de água salgada e 91% de gordura a menos que o já magro peito de frango. Além disso, tem 21% a menos de calorias que o peixe de água doce.
O preparo
A carne de jacaré não requer muitos artifícios para ser preparada. A recomendação dos criadores é não marinar a carne com limão ou temperá-la muito tempo antes de cozinhar. No caso dos filés, a sugestão é descongelar naturalmente e temperá-los com sal e pimenta a gosto somente no momento do preparo, para não desidratar.
Tratando-se de uma carne exageradamente magra, para uma receita mais “gourmet” o conselho é utilizar manteiga no cozimento. O tempo de cozimento é rápido e, assim como lula e camarões, se passar do ponto pode ficar um pouco mais rígida. No caso dos cortes com osso (coxa e ponta da cauda), o tempo de cocção é maior.
Pelo menos por enquanto, nos primeiros dias de comercialização por aqui, a rede Festval tem apenas dois cortes a serem oferecidos: Filé de cauda e Filé mignon. Em cada embalagem há uma receita impressa, sugerindo a maneira de fazer. Para os dois casos, o preço é de R$ 99,98 o kg, sendo que há cerca de 300g em cada pacote.
Quer tentar fazer em casa, já que, pelo menos por enquanto, não há restaurantes servindo prato com jacaré por aqui? Aqui vai, então, a receita do prato que experimentei e gostei. Muito fácil de fazer. Dá para impressionar os convidados.
Moqueca de jacaré
Por Helvecio Maciel, chef contratado da Caimasul – Caimans do Sul do Pantanal
Ingredientes
1kg de filé de cauda de jacaré
1 cebola grande picada
2 dentes de alho picados
50 ml de óleo de coco
3 colheres (de sopa) de azeite de dendê
200 ml de leite coco
1 pimentão verde em rodelas.
1 pimentão vermelho em rodelas
1 pimenta dedo-de-moça picada
3 tomates maduros picados
½ maço de coentro e ½ maço de salsinha picados
Sal e pimenta do reino a gosto.
Preparo
Corte a carne de jacaré em pedaços e tempere com sal e pimenta do reino.
Refogue a carne em uma panela com o óleo de coco até dourar.
Junte a cebola e o alho picados e refogue até dourar a cebola. Adicione os tomates, o leite de coco, os pimentões em rodelas, a pimenta dedo-de-moça, salsinha, coentro e o azeite de dendê.
Cozinhe por mais 10 ou 15 minutos.
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