Não me considero nenhuma sumidade na cozinha, mas admito já ter superado algumas etapas. A ponto de às vezes me tornar um tanto chato (comigo mesmo) em alguns restaurantes, por encontrar defeitos, que poderiam ser evitados, em alguns pratos. Sabe aquela do “eu faria melhor”?
A cozinha para mim é uma terapia, melhor maneira de relaxar após um dia cansativo e estressante. É só começar a se concentrar nos temperinhos e nos cortes de carne ou peixe ou no enrolar da massa que tudo se transforma. Aí a razão para essa busca incessante pelo novo sabor, pela descoberta da nova textura, pelo desafio da primeira vez.
Pesquiso, leio, busco e tento montar os pratos de acordo com o meu desejo. Ou com a minha curiosidade, em muitos casos. Curiosidade de arriscar fazer um preparo não dantes imaginado. Como um pó de camarão, por exemplo. Ou uma gelatina de coentro. Pois dessa vez fui mesmo fundo e tratei de fazer ambos, encaixando-os no mesmo prato. e deu tudo muito certo.
Foi assim. Imaginamos um almoço à base de peixe – opção que é sempre maioria aqui nos cardápios desse laboratório do Anacreon. Já escrevi aqui dos meus guardados, um comentário de um chef, uma receita da parte de um prato que me interessa, algumas experiências químicas ou físicas, algumas novidades, tudo arquivado em fragmentos, a pedir um resultado final, a composição do prato.
Trouxinha, farofa e gelatina
Vi uma receita de um peixe, namorado, com um veloutée de moqueca que me interessou – Veloutée, em francês, significa aveludado, na cozinha um creme bem leve e macio. Quase uma desconstrução (como gostam de exprimir os chefs mais moderninhos) de moqueca, com a base dos mesmos ingredientes. O que me fez lembrar da “Releitura da moqueca de camarão”, do chef Junior Durski, receita que publicamos no livro Marca de Chef, lançado no ano passado aqui pela Gazeta do Povo. O diferencial daquela receita de Durski era a água de coco, que também entrava também entre os componentes do cozimento.
Mas voltemos à nossa desconstrução. Entre os ingredientes relacionados estava o “pó de camarão seco”. E aí, que tal? Camarão seco pode ser encontrado no Mercado Municipal. Salgado ou defumado. Mas já tive experiências anteriores com esses, invariavelmente mais duros e complicados de serem triturados. Por que, então, não fazer em casa?
Pesquisa aqui, bom senso ali, sensibilidade acolá e partimos para a experiência. Uns 300g de camarão pequeno, com casca, lá do Paulinho Mozer, dos Pescados Keli Mozer. Muito bem lavado em água corrente, seco com toalhas de papel e forno, a 110º por um bom tempo. Fui deixando e sentindo a evolução. Deu duas horas e meia até que começasse a esfarelar quando apertado. Achei que era o ponto. Era. Levei ao mixer e aí, maravilha! Lá estava o pó de camarão, prontinho para completar a minha receita final.
Mas aí, já cheio de razão e mais metido pelo sucesso do pó, não me contentei e tratei de arriscar outro acabamento para o prato. Tinha visto uma receita de gelatina de urucum em algumas dessas revistas gastronômicas. Claro que não combinaria, pois urucum tem a ver com a moqueca capixaba, que não era nosso caso (mas já é uma ideia para a frente). Um toque de acabamento da moqueca baiana é o coentro e aí veio a associação: uma gelatina de coentro. Com ágar-ágar, bem mais fácil de lidar do que com a gelatina comum.
Faltava o peixe. Tentei o namorado, mas não tinha. O Paulo Moser – sempre meu cúmplice para essas coisas – me sugeriu meca. Seria a forno. Ficou interessante, é um peixe saboroso. Mas não dei a consistência desejada depois de cortado. Ainda preciso encontrar o peixe ideal e acredito que namorado ou pescada amarela desempenhem melhor.
Para entrada, outra adaptação. Guardei a receita de uma Trouxinha de beterraba com recheio de bacalhau. Mas achei que não combinaria o bacalhau com o peixe, ainda mais nessa ordem. Aproveitei a ideia da trouxinha, que é uma panqueca comum com beterraba na hora de fazer a massa. E fiz um recheio com carne de siri, quase como se fosse para a casquinha, mas com creme de leite para dar a consistência desejada. Ficou muito bom.
De sobremesa, um arroz doce, mas com algumas variações. A primeira a começar pelo arroz, utilizando o integral cateto em vez do comum, branco. A segunda, que o arroz é cozido no leite, enquanto as receitas normais recomendam cozinhar na água e depois ferver com o leite. A terceira, com o acompanhamento de uma calda de laranja e curaçau (que é licor de laranja). Usei curaçau azul para ver se ficaria mais colorida. Ficou meio verde, acho melhor utilizar o licor comum, incolor.
No todo, uma refeição de boa nota. Com o toque da satisfação pessoal por poder se imiscuir, com êxito, em novos atalhos da cozinha.
As receitas
Trouxinha de beterraba com creme de siri e shimeji
Ingredientes
Massa
125g de farinha de trigo
40g de manteiga amolecida
300 ml de leite
1 ovo grande
2 beterrabas pequenas (cozidas e escorridas ou assadas no forno com papel alumínio)
Recheio
2 colheres (sopa) de azeite de oliva
300g de carne de siri
½ cebola picada
100g de cogumelo shimeji picado
100 ml de creme de leite fresco
Páprica doce
Sal e pimenta-do-reino (moída na hora, de preferência)
Molho branco
600 ml de leite
2 colheres (sopa) de manteiga
2 colheres (sopa) de farinha de trigo
Sal e pimenta-do-reino
Noz-moscada
Preparo
Massa
Em um liquidificador, misture todos os ingredientes da massa e bata até que fique homogêneo. Deixe a massa descansar na geladeira por pelo menos 30 minutos. Caso a massa engrosse, pode acrescentar mais um pouco de leite.
Passado esse tempo, aqueça uma frigideira grande e antiaderente, despeje uma porção da massa e espalhe fazendo movimentos circulares com a panela. Deixe tostar por cerca de 1 a 1 minuto e meio ou até que esteja começando a dourar. Vire o disco e toste o outro lado por cerca de 30 segundos. Reserve.
Recheio
Aqueça o azeite de oliva e doure ligeiramente a cebola picada.
Adicione os shimeji picados e refogue mais um pouco.
Junte a carne de siri, misture bem e refogue, até que se evapore todo o líquido que dela se desprende.
Acrescente o creme de leite, mexa até incorporar bem e tempere com sal, pimenta e páprica.
Baixe o fogo e deixe cozinhar até obter certa consistência na mistura.
Molho
Derreta a manteiga e acrescente a farinha de trigo, sem parar de mexer com um fouet. Deixe cozinhar até obter uma coloração amarelo-clara.
Acrescente o leite aos poucos e continue mexendo firmemente com o fouet, para não empelotar. Tempere com noz-moscada, pimenta-do-reino e sal.
Montagem
Coloque uma generosa porção do recheio no centro do disco de panqueca. Enrole fazendo uma trouxinha e prenda com talos de cebolinha (que devem ser banhados em água quente para que fiquem maleáveis).
Coloque um pouco do creme no centro de um prato fundo e a trouxinha no meio.
Decore o prato com algumas pimentas rosas e com cubinhos de beterraba cozida.
Rendimento: 4 porções.
Meca ao forno com veloutée de moqueca
800g de filé de meca
80 ml de azeite de oliva extra virgem
200g de cebola picada
500g de tomate sem pele e sem sementes em cubos
25 ml de azeite de dendê
50 ml de leite de coco
10g de pó de camarão seco
2 raminhos de coentro
150 ml de creme de leite fresco
sal e tabasco a gosto
Preparo
Aqueça o forno a 180ºC. Ajeite a meca numa forma untada, regue com 30 ml de azeite e ponha para assar por 30 minutos.
Doure a cebola em 50 ml de azeite, acrescente os tomates, o dendê, o pó de camarão seco e o ramo de coentro.
Cozinhe por 10 minutos.
Bata o molho no liquidificador.
Leve novamente ao fogo, acrescente o creme de leite, o leite de coco e reduza.
Tempere com sal e tabasco a gosto.
Decore com um ramo de coentro.
Rendimento: 4 porções
Gelatina de coentro
Ingredientes
2 maços de coentro
150 ml de água
1 pitada de sal
5g de ágar-ágar
2 xícaras de caldo de peixe
Preparo
Bata no liquidificador o coentro com a água e peneire – deve dar 2 xícaras ou complete com água.
Dissolva o ágar-ágar no caldo de peixe e leve ao fogo brando até ferver. Deixe mais 3 minutos e retire do fogo.
Espere esfriar um pouco, junte o suco peneirado, misture bem e coloque numa forma para gelar (ou em forminhas de gelo).
Na hora de servir, corte em cubinhos ou retire das forminhas de gelo.
Para montar os pratos, esparrame o veloutée no fundo do prato, corte o peixe assado em fatias e ajeite por cima e decore com os cubos de gelatina, folhas de coentro e alguns grãos de pimenta rosa.
Arroz doce com calda de laranja
Ingredientes
220 g de arroz cateto
2 litros de leite
200 g de açúcar
Calda
300 ml de suco de laranja
50 g de curaçau
200 g de açúcar
Canela em pau, o quanto baste
Noz-moscada, o quanto baste
Cravo, o quanto baste
Preparo
Coloque o leite no fogo e, quando levantar fervura, acrescente o arroz. Cozinhe o arroz até que amoleça.
Acrescente o açúcar e continue o cozimento, mexendo para não grudar.
Quando começar a formar bolhas e mudar a textura para cremosa, desligue o fogo.
Calda
Derreta o açúcar até formar um caramelo de cor clara.
Acrescente o suco de laranja, os aromáticos e deixe ferver em fogo brando, retirando a espuma que se forma na superfície.
Junte o curaçau e mantenha a fervura até começar a engrossar. Desligue o fogo e reserve.
Montagem
Sirva em taças.
Monte com uma camada de calda de laranja e o arroz.
Decore com caramelos de açúcar.
Rendimento: 10 porções.
=-=-=-=-=-=-=
Entre em contato:
Blog anterior: http://anacreonteos.blogspot.com/
Twitter: http://twitter.com/AnacreonDeTeos
E-mail: a-teos@uol.com.br
Braga Netto repassou dinheiro em sacola de vinho para operação que mataria Moraes, diz PF
Defesa de Braga Netto diz que provará que não houve obstrução das investigações
Parlamentares de direita e integrantes do governo repercutem prisão de Braga Netto
Da revolução à ruína: a fraqueza original que selou o destino do comunismo soviético
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS