O Doce de Gila é muito comum em Portugal, mas também do Sul do Paraná para baixo.| Foto: Anacreon de Téos

Nunca tinha provado ou sequer ouvido falar. Gila – o que seria aquilo?

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Quem me apresentou, tempos atrás, foi minha ex-sogra, já falecida. Dona Nenê só chamava de Doce Barbante, que era como a família conhecia. Por causa das longas fibras, que se separam ao cozimento e compõem um quadro muito bonito e apetitoso.

A receita veio lá de São Mateus do Sul, de onde veio Dona Nenê, e dizem que até hoje tem quem faça com esmero por lá. Mas, como sou metido a tentar coisas novas, um dia pus na cabeça que faria aquele doce.

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Só que o tempo passou e nunca mais pensei no assunto. Até essa pandemia praticamente me forçar um autoexílio em casa, com algumas raras saídas para comprar mantimentos. E como nesse mais de ano na mesma situação testei vários preparos que jamais imaginaria fazer, chegou o dia do tal doce. O Doce Barbante, ou Doce de Gila, que é uma tradição portuguesa que se espalhou aqui pelo Sul do Brasil.

As gilas (primas da abóbora, mas com jeito de melancia) na prateleira da banca da Dona Isabel, no Mercado Municipal. | Foto: Foto: Anacreon de Téos

Numa dessas saidinhas pra compras, vi gilas na prateleira da banca da dona Isabel, no Mercado Municipal. A gila é uma prima da abóbora, com um formato de oval a arredondado e com a casca lembrando o rajado da melancia.

Comprei, sem ter a mínima ideia de como fazer. Mas fui perguntando aqui, fuçando ali, pesquisando na Internet, em sites brasileiros e portugueses, em consegui pelo menos entender a metodologia do processo – que não é nada parecido com o de outros doces.

Primeira advertência que me passaram: não pode usar nada de metal no manuseio. Como assim? E como faz para cortar a fruta em pedaços? Atira no chão, até conseguir quebrar – foi a resposta.

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Isso mesmo. Esse é o método tradicional de iniciar o preparo. A polpa da gila é muito suscetível à combinação química com o metal, ela oxida imediatamente e compromete todo o sabor. Portanto, nada de faca nem tigela nem panela de metal.

Precisa atirar no chão, separar os pedaços com a mão e colocá-los em uma tigela de vidro ou plástico para começar a lidar com ela, raspando com espátula ou colher de pau. Na hora de cozinhar não li nem ouvi restrições ao cozimento na panela de metal, mas, por via das dúvidas, cozinhei numa caçarola de cerâmica que tenho por aqui.

Por sorte me lembrei de ter ganho, anos atrás, uma faca de madeira, para cortar saladas e afins. Usei muito pouco e deixei em algum lugar. Fui procurar numa gaveta onde estão todos os instrumentos de madeira e não é que ela estava lá?

Já havia jogado a gila no chão e consegui parti-la. Arranquei os primeiros pedaços com as mãos, mas, dali em diante, para reduzir as partes, cortei com a faca de madeira. Se bem que poderia ter continuado a seguir o ritual normal.

A receita

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O processo básico para fazer o doce é partir a fruta, cozinhar em água levemente salgada descascar, limpar sementes e veios amarelos e daí cozinhar novamente, só que na calda de açúcar.

Vi algumas receitas que fazer o procedimento direto, mas uma delas, de Portugal, sugere deixar os pedaços de gila submersos em águas por 24 horas, depois de devidamente lavados. Foi numa página do YouTube que achei bem interessante. É o Receitas do Paraíso, da portuguesa Fernanda Meneses, que tem várias publicações e é muito didática para explicar as fases da receita. Assisti seu vídeo e recomendo que deem uma espiada aqui nesse link.

O doce ficou delicioso, justamente com o sabor que me deu prazer anos ou décadas atrás. Só não consegui dar totalmente o formato de barbante, talvez por algum detalhe de cozimento ou descanso. Mas garanto que na próxima já vou tentar me aproximar mais. Como não afetou o sabor, valeu muito a experiência.

E por que decidi postar a receita aqui? Pelo inesperado e surpreendente retorno que tive na publicação que fiz nas redes sociais. Claro que teve gente teimando que era o mesmo que cidra (e não tem nada a ver, cidra é cítrico e gila é abóbora), mas a grande maioria disse ter sentido uma grande viagem ao passado, no resgate de uma receita que está se extinguindo nos dias de hoje.

Então, para esses todos e também para aqueles que nunca ouviram falar, mas mesmo assim se interessaram, aqui está a receita do Doce Barbante, Doce de Gila ou Doce de Chila (que é também como a fruta é conhecida).

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O Doce de Gila também é conhecido como Doce Barbante, por causa dos fios da fruta.| Foto: Foto: Anacreon de Téos

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