Palavra que nunca tenho muita expectativa em restaurante que inaugura. Por maior que seja o talento do chef, da decoração impecável (de bom ou mau gosto) e de todos os atributos que podem contribuir para seu sucesso futuro, nos primeiros dias as coisas não estão lá muito alinhadas. E o cliente pode passar por um ou outro constrangimento.
Por isso acho sempre recomendável uma segunda chance, para ser possível sentir se as variações se estabilizaram e traçar um perfil perto do definitivo para a casa. Nesses anos todos comendo bem e escrevendo sobre comida, praticamente tornou-se uma regra. De grandes desastres a pequenos descuidos vi e vivi de tudo. Boa parte revertida numa segunda visita – alguns não duraram tanto para isso.
Houve exceções, claro. Raras. E a mais recente delas vivi na semana passada, ao conhecer o Gardeno. Da qualidade e da competência do chef Alexandre Bressanelli já sabia. Pelo que dele conheci no Centro Europeu, na sua Go Cook ou no contato mais próximo quando do livro Marca de Chef, que escrevi (editei, para ser mais específico) no ano passado, reunindo alguns dos principais cozinheiros de Curitiba – sob chancela aqui da Gazeta do Povo.
Mas, ainda assim, o restaurante surpreende. Positivamente. Espaço grande, clean, bem distribuído, com uma área externa que tanto pode ser destinada às crianças quanto a uma espera ou a um happy hour (o restaurante funciona para o jantar e abre também para almoço nos fins de semana). Na cozinha, equipamentos modernos, como um forno combinado que só falta falar. Entre a cozinha e o salão, vidros enormes permitem aos clientes observarem tudo o que acontece lá dentro. E uma invejável grelha como ainda não havia visto por aqui. Além de uma equipe pinçada pelo chef dentre seus alunos e ex-alunos, todos afinados com a filosofia do líder, a executar de olhos fechados, cada um dos pratos propostos no cardápio.
O resultado se sente à mesa. Tudo começa com o couvert (R$ 7), um Cachepot de pães. Cachepot são aquelas caixinhas nas quais se abrigam vasos de flores ou de temperos e que ornam jardins. Tudo a ver com o nome do restaurante, Gardeno, que significa jardim, em esperanto. Aliás, naquele ambiente externo ao qual me referi, há vasos com temperos, os mais diversos. Inclusive alguns florindo, como o tomilho, o que se percebe claramente (no visual e no perfume) na decoração de alguns pratos.
Bem, voltemos ao cachepot. São algumas fatias de pão feito ali mesmo e passadas na grelha, dando a agradável crocância por fora. Acompanhamento, manteiga de ervas, minitomates confitados, tapenade de azeitonas e lascas de um suave queijo Casablanca.
O cardápio oferece opções de entradas frias e quentes. De algumas tradicionais de sotaque mediterrâneo (a proposta do restaurante), como Panzanella, Carpaccio de carne al limone e o Vitelo tonato (que é a salada fria de carne de vitelo com molho de atum, alcaparras e páprica), passando por Brandade de bacalhau, tentáculos de polvo e discos de polenta grelhados. Falando em tímbalo, foi uma das entradas. Tímbalo significa tambor e o prato, portanto, tem esse formato (invariavelmente é moldado dentro de aros).
Pois o Tímbalo (R$ 18) em questão era uma terrine de frango defumado e pistache cortada em rodelas e coberta com molho de laranja, com salada de folhas. A outra opção foi a Salada Gardeno (R$ 16) – um mix de endívias e folhas frescas coberto com molho especial de balsâmico, acompanhado de figo grelhado, lascas de queijo aziago e culatello italiano (mas feito aqui, em Quatro Barras, pelo Airton Empinotti em sua salumeria). Entradas impecáveis, folhas crocantes, combinações bem inspiradas.
E se tudo estava bem até ali, o prato principal foi de arrepiar. Tínhamos inúmeras opções, a começar pelas 20 variações de massas, recheadas ou não, todas feitas ali. Risotos, outro tanto, incluindo alguns sabores bem específicos, como bottarga ou tartuffo, este com manteiga de trufas e champignons crispis. No grill, desde filé mignon até camarões, passando por frango, cordeiro, salmão, côngrio e bacalhau.
Fomos para as especialidades, que é o que sempre nos desafia. Se o chef diz que é especialidade dele, então é de se imaginar o suprassumo do melhor em sabor e criatividade. E aí foi difícil escolher. Ragu de codornas trufadas com polenta bramata (R$ 78), Ragu de coelho ao Barolo e fettuccine fresco (R$ 75) ou Stinco de vitelo com purê de feijão branco e molho de alho doce (R$ 87) – todos os pratos para duas pessoas, assim como os demais das especialidades, com Carré de cordeiro, salmão, bacalhau, bisteca fiorentina e mais alguns.
Ficamos com o stinco (que é a canela, de onde também, se fatiado, se tira o ossobuco) e acertamos em cheio. Ouso arriscar: foi o melhor prato que comi no último ano. A carne se desmanchava de macia e o purê de feijão branco, de sabor suave, recebia um aditivo interessante que não constava do cardápio: no molho (do próprio cozimento do stinco), algumas fatias daquelas finas linguiças húngaras, que normalmente são servidas como aperitivo. Sou comedido em adjetivos, mas o resultado final ficou fantástico.
O prato é bem servido, mesmo para duas pessoas. São três peças bem nutridas, mais o purê. Conforme a entrada dá até para dividir por três, desde que não sejam muito comilões.
De sobremesa, uma Zuppa inglese (R$ 16) e um Terrine capuccino (R$ 16), fechando em alto estilo uma noite gastronômica como não se via havia um bom tempo.
A carta de vinhos é muito bem constituída, com alguns dos rótulos mais expressivos do catálogo de três ou quatro importadoras, que se reuniram e decidiram pelo equilíbrio de castas, uvas e países. E a preços honestos, o que é importante.
O Gardeno chegou para ficar. Sem passar por estágios, passa direto de novidade para o fechado rol dos melhores de Curitiba. Sem nenhum favor. Com muito sabor.
Gardeno – Gastronomia Mediterrânea
Alameda Doutor Carlos de Carvalho, 2380 – Bigorrilho
Fone: (41) 3016-3044
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