Erick Jacquin é uma figuraça! E já vai se tornando presença garantida nos eventos gastronômicos realizados em Curitiba. Semanas atrás esteve no Gastronomix (veja o que escreveu no Bom Gourmet a Nádia Schiavinatto) e retornou para o Wine Gourmet Show, evento promovido pelas importadoras Porto a Porto e Casa Flora que apresentou mais de 300 rótulos de vinhos e uma saborosa gama de produtos da boa gastronomia.
Jacquin é um dos “chefs Paganini”, dentre os divulgadores da marca no Brasil. E como tal foi convidado para dar uma palestra no Wine Gourmet Show. Palestra é modo de dizer, pois no descontraído encontro teve de tudo, de conversa sobre comida, de assuntos de sua infância, até relato de alguns entreveros com clientes de suas casas – ele é co-proprietário do La Brasserie, escolhido por três anos consecutivos como o melhor restaurante francês de São Paulo e abriu recentemente o Tartar & Co., especializado, evidentemente, em tartar com todas as possíveis interpretações.
Tido como mau humorado, de poucos tratos, esse francês que chegou ao Brasil em 1995 para comandar a cozinha do Le Coq (encantou-se pela terra e foi ficando, até se estabelecer de vez por aqui), é um doce de pessoa. De humor refinado, tem dom para cativar seus ouvintes, conforme demonstrou no concorrido evento em Curitiba. Entre os espectadores, pelo menos uns dez chefs de cozinha de restaurantes importantes da cidade. Todos eles encantados com as ideias e as concepções que apresentou sobre a cozinha e as diferenças entre a culinária e a gastronomia (culinária é a que se tem por aí, gastronomia quase sempre é a que se faz em casa, valorizando os produtos, o modo de fazer e de apreciar).
Já tive a oportunidade de conversar com ele em outras oportunidades. Uma delas foi no restaurante C La Vie, quando ele prestava consultoria à casa. Foi em 2010, quando pela primeira vez quebrei a impressão de ranzinza que dele se dizia. Apresentou aos poucos convidados um “ovo de papagaio”, que era uma incursão sua pela cozinha molecular: Explosão da manga com ovas de salmão. Pus no blog, descrevendo a sensação de sentir a bolinha amarela explodindo dentro da boca.
Cozinha molecular, logo ele, um chef francês da linha tradicional? Aí ele faz questão de lembrar: a cozinha molecular é francesa, concebida pelo químico Hervé This nos anos 90 e que não teve a devida repercussão na ocasião. “Só bem depois que vieram os espanhóis e fizeram todo aquele alarde com o que um francês havia criado” – salienta, com um inevitável tom de ironia.
Os causos
Nessa conversa animada que Eric Jacquin teve durante o Wine Gourmet Show ele não teve como deixar escapar alguns momentos de comportamento que justificaram sua fama de mau. Daquelas de respeitar o cliente, mas colocá-lo em seu devido lugar. Ou seja: o cozinheiro cozinha e o comensal come. Qualquer variação em torno disso pode quebrar a harmonia entre os dois pontos.
E isso é sempre um dilema para o cozinheiro. O sujeito chega ao restaurante, ignora o cardápio e pede um prato que exige uma dedicação especial. Com o argumento de “estou pagando, posso pedir o que quiser”, que é terrivelmente doloroso para os profissionais de cozinha. Então que vá a outro restaurante, ele não é obrigado a estar ali – disse Jacquin.
E o chef contou do cliente que queria o seu prato de sugestão, mas “apenas meio prato”. Depois de o garçom tentar explicar que não tinha jeito de fazer meio prato, pois estava concebido daquele jeito, com aquelas quantidades, o cliente insistiu no “estou pagando” e assim a informação chegou à cozinha. Jacquin não teve dúvida: bateu forte com o prato na bancada, quebrou-o e com o pedaço maior que havia sobrado montou a comida cuidadosamente, aproveitando o espaço reduzido. O cliente, claro, teve de comer no prato quebrado. Ou, literalmente, no meio prato.
Outra história é a do cidadão metido, que nem olhou o cardápio e queria que o chef fizesse um prato com caviar (beluga, o mais do mais), ovos batidos e um bife bem passado – ainda isso, se pelo menos fosse a carne ao ponto já seria pecado, mas bem passado… – para completar. Mas o cliente insistiu, tanto insistiu que Jacquin decidiu atendê-lo. E levou para a mesa em três pratos separados, um com o caviar, outro com a omelete e o terceiro com a carne sola de sapato. E disse pro cliente: “agora misture você, que eu não tenho coragem de fazer isso”.
Um terceiro episódio relatado foi o do figurão, personalidade, daqueles que fazem questão de dizer poderem tudo. O garçom chegou com um bilhete na cozinha. Dizia: “quero um tiramisù igual ao do Fasano de sobremesa”. O La Brasserie, de linha francesa, evidentemente não tem tiramisù no menu. Mas o cliente foi tão incisivo que Jacquin não teve dúvida. Ligou para o Fasano e encomendou um tiramisù. E fez questão que viesse com um prato personificado do próprio Fasano. Terminada a refeição, serviu a sobremesa para o cliente, que ficou encantado. Já não mais tanto quando veio a conta, cobrando, além do preço do doce, um alto valor de frete (teria de ser de carro, não de moto e a distância entre os dois restaurantes não era pequena), mais o serviço de quem teve de ir buscar. Ficou algo em torno de R$ 200 e Jacquin não conseguiu segurar aquele sorrisinho de canto de boca perante o espanto do figurão.
Esse é Erick Jacquin, cozinheiro de primeira, que tem no seu repertório pratos saborosíssimos, como o Pato na panela, um dos seus maiores sucessos e que entrou no cardápio do C La Vie quando ele esteve prestando consultoria por aqui, permanecendo até hoje como um dos pratos favoritos da casa. Foi eleito o melhor prato principal de 2011 aqui no Prêmio Bom Gourmet e permanece até hoje no menu do C La Vie (que já sofreu várias alterações), como uma das principais solicitações. É mesmo delicioso, um dos meus favoritos de sempre, de todos os lugares.
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