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Um autêntico botequim retrô, estilo carioca, em pleno centro de Curitiba. É o que se sente desde que se avista a porta do Otelo, recém-inaugurado. Lá dentro, então, é um verdadeiro mergulho na própria memória de quem, como eu, é um pouco mais antigo.
Paredes repletas de quadros de fotografias, de capas de jornal (sim, do Pasquim também, claro), de maquetes, de desenhos e caricaturas. Aí é só entrar, se acomodar, pedir o cardápio e escolher.
O novo bar é um sonho antigo do empresário Ewerton Antunes, que também é sócio de outros conceituados empreendimentos gastronômicos, como Porcini, Kan, Italy Caffe e La Campesina (o Otelo fica exatamente do outro lado da rua), restaurantes de propostas completamente diferentes entre si.
Conheci Ewerton há muitos anos, quando fui cobrir a inauguração do complexo Babilônia, imagine só. Isso foi em 2005 e, no jantar do restaurante Miss Saigon (asiático, que já não existe mais), conversei muito com o então sommelier responsável pela harmonização dos pratos e pela apresentação de alguns vinhos. Era o próprio.
Anos mais tarde, num fim de tarde no Kan (quando fui buscar um pedido em take away), encontrei-o em uma mesa e ele me ofereceu uma taça de um belo Sauvignon Blanc que estava saboreando. Conversamos por um bom tempo, enquanto a encomenda não ficava pronta e ele me confidenciou: “meu sonho de sempre é poder um dia abrir um boteco”
Pronto, está aí o Bar Otelo, inteirinho à disposição de quem ainda sente saudades de um bar das antigas, modelo que ultimamente vinha escasseando em Curitiba. O Stuart continua sendo uma referência, o Ligeirinho e o Maneko’s estão firmes, foi inaugurado recentemente o Bar Nacional (escrevi aqui, mas só o visual se assemelha, comidas e bebidas têm outro viés) e ainda há alguns mais.
Só que o Otelo está em outra órbita, como se concentrasse os predicados de todos os demais num só espaço, sem preconceito de ser o mais básico possível, atingindo em cheio a sensibilidade e o paladar de cada novo cliente que se apresenta.
Beber
Tudo começa com um Rabo de galo, um coquetel genuinamente brasileiro e tão consumido por aqui quanto a Caipirinha, mais famosa, que ganha nos números por ser preferida também dos turistas. Mas vá num boteco de bairro pra ver o que o pessoal pede: Rabo de galo, que foi criado nos anos 1950 pela Cinzano, que então se estabelecia por aqui, para tentar atingir a colônia italiana, recém-chegada, fugida da guerra – mas que já estava se acostumando com a cachaça. A mistura das duas bebidas originou o que inicialmente chamaram de Cock-tail, nome que não agradou por chamar em inglês uma bebida que se propunha brasileira. Houve a sugestão de se adotar a tradução e isso foi feito: Cock=galo e tail=rabo.
E é praticamente obrigatório chegar ao Otelo e pedir um. No meu caso, até mesmo para lembrar o querido amigo Sicupira, com quem viajei muito por aí e que sempre pedia o Rabo de galo com cerveja ou chope. “Um frio e um quente, para equilibrar” – costumava dizer. Com o coquetel, enquanto se pensa no que pedir adiante, dá para ir beliscando o Tirico-Tico (mix de ovos de codorna cozidos, pepino azedo e azeitonas – R$ 27), entre outras propostas de tira-gostos.
Mas não custa já ir bebericando também um chope. Da Brahma, é claro, como se imagina de um botequim que busca a tradição. Descobri que tem o copo menor, que conheci exatamente no Rio de Janeiro, nos anos 70, quando era chamado de Schnit (alguns bares por lá ainda denominam assim, mas outros, mais recentes, chamam de Garotinho, incluindo o Otelo). É um copo de 200 ml, que permite manter sempre o chope mais gelado, pelo consumo mais rápido. Além da facilidade de servir quem bebe menos e mais devagar. É o meu favorito e não sei de outro local por aqui que possua este tipo de copo.
Tirando o chope, ainda tem cervejas em garrafa – de marcas diversas, das industriais -, variações de caipirinha, com destilados distintos e basicamente com limão. Tem um recado no menu: “usamos limão, outra fruta só se tiver...” – pois boteco raiz não enfeita caipiras com outras cores. Há também batidinhas de cachaça, com maracujá, capim-limão, canelinha e outras sugestões.
E os destilados, com a fila puxada pelo Rabo de galo, Samba (cachaça e refri de cola), Negroni, Dry Martini e Jack and coke. Além de outros nem tão conhecidos, como Macunaíma (cachaça, limão, fernet branca, xarope açúcar) e Bombeirinho (cachaça, limão e groselha, servido em copo martelo, de pinga). E tem um autoral, o Vampiro (vodca, suco de limão, extrato de gengibre, Campari e groselha).
Ainda há, em doses, licores, uísques, cachaças (puras ou em combinações, como cataia) e até vinhos. Sim, vinhos em boteco. Mas aí, além de alguns de classe – que podem ser consumidos pelos apreciadores -, outros vinhos mais botequeiros, podemos classificar assim, como alguns espumantes, alguns brancos, como o icônico (e hoje defenestrado) Liebfraumilch (da garrafa azul) e alguns tintos populares, como o Sangue de boi suave.
Comer
A oferta de petiscos é bem grande, são 21 ao todo, dentre os quais, Bolinho de bacalhau, Carne de onça (autêntica, só carne, cebola, cebolinha e broa preta), Casquinha de siri, Croquete de ossobuco com queijo (delicioso), Moela do molho do pobre, Torresmo na cachaça, Pastéis (de carne e de queijo), Frango à passarinho, Coraçãozinho acebolado, Camarão crocante à doré e Costelinha de tambaqui frita. E mais... muito mais.
Para quem aprecia sanduíches, há a divisão “Pão & Circo”, com X-Saladas (3 tipos), Pão com bolinho, Pão com bife e queijo e Pão com bife e ovo.
Um Caldinho de feijão com verde pode abrir o apetite para alguns pratos feitos, como Galinhada com polenta cremosa, Dobradinha da vovó, Bife acebolado (com arroz, maionese e farofa) e Filé à Oswaldo Aranha (com os mesmos acompanhamentos).
Para os dias mais frios, pratos fundos para Sopa de capelletti in brodo, Polenta cremosa à bolonhesa e Sopa Leão Veloso (frutos do mar), um dos grandes clássicos dos bares do Rio de Janeiro.
E como bar que se preze precisa ter feijoada, aos sábados tem. A do Otelo é completa e servida em duas opções, a gorda e a magra. A gorda é a verdadeira feijoada, com pé, orelha, rabo, pele de porco, como dita a regra. Já a magra é a que eu costumo chamar de “feijoada de madame”, aquela que tem algumas carninhas (lombo, carne seca, costelinha, paio...) cozidas no feijão. Mas como quem tem goste e acha que é feijoada, tem. Qualquer uma das duas custa R$ 89 e dá para duas pessoas. É servida na mesa, em cumbuca, acompanhada de arroz, couve, farofa, banana milanesa, vinagrete e laranja.
Qualquer informação a mais sobre o cardápio (que é extenso), dá para conseguir no link do bar.
Dinossauros no salão
Outro fator que remete o Otelo aos clássicos bares de outrora é a formação do quadro de garçons. Todos já têm uma boa rodagem e, poderia dizer, são os “dinossauros” da profissão. Acho ótimo isso, podendo passar aos clientes toda a experiência de décadas no ofício, sem inseguranças nem dúvidas.
E a idade fez diferença no momento das contratações. Ewerton Antunes publicou estar em busca de garçons experientes e, dos quatro que se apresentaram para a entrevista, três deles foram contratados imediatamente. Cada um deles traz inúmeras histórias vividas na carreira. Para se ter uma ideia, o menos experiente tem 40 anos de profissão.
Guilherme já servia chope desde os 14 anos, em Ponta Grossa, quando as chopeiras ainda eram de madeira e havia uma alavanca para ser acionada e pressionar o chope a sair. Nada de gás carbônico, era no braço mesmo. Em Curitiba, só no bar Hora Extra trabalhou onze anos, além de passagens por outras casas.
Brito também veio cheio de traquejo, por dez anos de Shadow e outros seis de Babilônia.
Luizinho é de Paranaguá e o mais falante de todos. Diz que jogou na lateral-direita do Rio Branco, onde era conhecido pelos próximos como “Ruinzinho”. É de tal forma voltado para a profissão, que se apresentou para a entrevista com a Carteira Profissional (com registros desde 1978) em um bolso e a gravata borboleta no outro. Entre outros locais, trabalhou no hotel Camboa (Paranaguá), na Ilha do Mel (onde se orgulha de ter servido Paulo Leminski) e daí, em Curitiba, por muitos anos no Dom Max e outros tantos no Valdo X Picanha e no Babilônia. Tinha o sonho de terminar a carreira num botequim antigo. Já está em um boteco de categoria, embora ainda tenha muito a rodar pela frente.
O bar funciona de segunda a sexta, das 16h até as 24h. Sábado, das 12h as 24h (e tem feijoada com chorinho no almoço). Domingo, fechado.
Bar Otelo
Alameda Dr. Carlos de Carvalho, 625 – Centro
Fone: (41) 3528-5628
Instagram: @bar.otelo
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