Sempre fiquei com um pé atrás em muitas alternativas que são oferecidas para a cozinha. Abomino, por exemplo, o tal “falso prato”. É o “falso camarão”, “falso caviar”, “falso strogonoff”, coisas assim. Parto do princípio que o falso não se assemelha ao verdadeiro e que não se pode vender uma coisa pela outra. Simples assim.
Também nunca fui chegado à tal de cozinha de sobras. Não a ponto de sair correndo atrás de publicações especializadas (e elas existem) ou algo que me mova nesse sentido. Acho que não pode haver uma pré-determinação para tal, mas respeito quem é adepto. Mas, admito utilizar de vez em quando algumas, digamos, soluções emergenciais em casos assim.
Deixe-me explicar melhor. Não planejo cozinhar um monte de alguma coisa, pensando na possibilidade de aproveitar a sobra dessa ou daquela maneira. Uma feijoada, por exemplo, para fazer o virado à paulista dois dias depois.
Mas os casos acontecem e já fiz Arroz carreteiro de algumas sobras de churrasco, pra lembrar apenas o que me veio à mente de imediato. Sou contra o desperdício e por isso mesmo tento calcular as medidas corretas, para tentar fazer com que todo o prato seja consumido. Só que de vez em quando não dá certo e as sobras acontecem.
Tempos atrás fizemos uma paleta de javali em almoço de família. Deu além da conta e sobrou um bocado. Então, fazendo a revisão básica do freezer, encontramos aqueles pedaços de carne de javali retirados do osso. Em quantidade razoável, suficiente para uma transformação razoável.
Bateu de pronto: um ragu, para completar com massa. Trata-se de uma combinação imbatível, desde que se capriche, tanto na elaboração do molho quanto na escolha da massa, de boa qualidade e que realmente agregue sabor. O escolhido foi o pappardelle, que sempre vai bem com esse tipo de molho mais pedaçudo (só demos azar ao verificar que alguns deles estavam quebrados em pedaços menores).
Para o molho, começamos com a carne assada. Deu uns 450g. Tratei de picar em pedaços pequenos, cubinhos, e a primeira coisa que fiz foi refogá-los. Azeite ou manteiga? Javali… porco… banha. Por que não? E, de quebra, pancetta.
Sempre tenho em casa a inigualável pancetta do Monte Bello (sou fã de toda a linha de produção dos Empinotti, ali de Quatro Barras, até escrevi recentemente no Bom Gourmet a respeito) e resolvi que poderia ter tudo a ver. Então, antes de dourar os pedaços de carne, cortei um pouco de pancetta em pedacinhos e refoguei na banha. Acrescentei a seguir os cubinhos de carne e deixei (sem mexer muito, para não formar água) que dourassem.
Retirei a carne da panela (de ferro), aproveitei a gordura e refoguei 1 cebola grande, picada. Logo depois que murcharam acrescentei dois dentes de alho, também picados. Pus a carne de volta, deixei incorporar tudo e daí adicionei 800g de tomates, sem pele nem sementes, picados. Foi só baixar o fogo para o mínimo possível e deixar cozinhar, permitindo que o tomate se desmanchasse, formasse o caldo que amolecesse a carne e juntasse tudo praticamente num composto só.
Como tinha uns ramos de tomilho disponíveis utilizei as folhas no que compreenderia uma colher (sopa). Mas acho que manjericão (que não tinha disponível) também teria dado bom resultado – se não melhor ainda.
Quando o molho cozinhou, a água do tomate praticamente evaporou e tudo se transformou numa mistura única, foi só aquecer a água, cozinhar o pappardelle e levar à mesa. Por achar que faltava um toque de verde (que talvez o manjericão tivesse dado), decidimos (Graça e eu) utilizar cebolinha verde picada depois de a chama ter sido desligada. Ficou interessante.
Pronto. Foi só servir e aproveitar. E se não contasse aos convidados eles jamais iriam saber tratar-se de sobras. Ficou delicioso nosso Pappardelle ao ragu de javali.
(Pensei em descrever a receita detalhada aqui, mas vejo que já está tudo no corpo do post. É só seguir que dá certo, valendo para sobra de assados de carne de porco.)
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