Meu filho se empenhou, foi atrás e conseguiu umas panelas de barro bem interessantes. Fazia algum tempo, mas, até então, não havia como transportar as panelas para cá. Fui visitá-lo lá no noroeste de Minas – Diamantina, onde mora – e achei que estava na hora de trazer algumas, fosse como fosse. Pus duas na mala, enrolei nas roupas e mais papel-jornal, recomendei ao pessoal do aeroporto que era frágil, colocaram o selo e, mesmo assim, uma delas chegou rachada por aqui. Pena, mas a menorzinha resistiu e se apresentou. Entre camisas, moletons e outras roupas íntimas, saiu inteira da mala e se integrou ao rol das que tenho por aqui.
Fiz o batismo natural, com azeite e água, para a cura, e fiquei aguardando a chance de poder estreá-la. Chegou agora, pronta pra uma Peixada, receita antiga da casa, que nem mais escrita estava.
Era assim, de um livrinho que explicava a cozinha básica – coisa de vinte ou trinta anos atrás. Lembro-me de ter emprestado para um amigo recém-casado, que queria impressionar em casa. Desde então, nunca mais.
Aquela panelinha ali, sobrevivente à ação dos aeroportuários pouco interessados em respeitar avisos e notificações de fragilidade, estava pedindo para ser protagonista. E a receita antiga, então, aflorou. Chamamos de Peixada guaratubana, pois foi lá em Guaratuba, décadas atrás, que ela foi à mesa pela primeira vez. E, como qualquer um vai poder constatar, sem qualquer segredo. É o básico do básico, dali podendo enveredar para moquecas ou o que quer que seja.
Mas precisava um pouquinho mais. Seria o ponto alto do almoço domingueiro, mas o menu carecia de entrada e prato principal. Recordei de ter visto uma receita de ostras com gelatina de não sei o quê numa revista antiga. Gourmet ou Gula, não sei precisar. Mas sei que a receita era do Laurent Suaudeau, admirável chef francês que mexeu muito com a gastronomia brasileira. Procurei, procurei e não achei. Minhas revistas antigas estão fora de ordem, desorganizadas (preciso dar um jeito nisso, pois são de 80 para cá).
Mas decidi fazer ao meu jeito. E fui às compras. Um filé de robalo de corte alto para peixada, foi o que me sugeriu o Paulinho Mozer, da Pescados Keli Mozer, ali do Mercado Municipal. E as ostras, de Guaratuba (mesmo porque as de Santa Catarina estão, de momento, com a comercialização proibida), estavam ali, na câmara fria. Não me dei bem com elas. Só sei que tentei abrir e nem mesmo naquele pontinho nevrálgico que sempre cede, me aceitaram. A ideia era fazer ao natural (ou congeladas, como estava, mas naturais, não sei direito), mas aí, perante a resistência, mudei de ideia e fomos para o bafo. Uns quatro ou cinco minutos ali e se abriram. Tive o cuidado de preservar a água (como é que se descreve isso?) interior e levei-as imediatamente para esfriar.
Com o líquido obtido, completei um pouco com caldo de peixe, o ágar-ágar e cheguei à consistência de gelatina. Daí foi só cobrir as ostras, resfriar e aguardar o momento de servir. Cá entre nós, ficou supimpa (voltei décadas aqui, hehe). Chique, pronto para qualquer evento mais refinado. E ainda não achei a receita do Suaudeau.
O prato principal foi, é claro, a Peixada. Chamam de Caldeirada – como me disse o Paulinho Mozer, ao me vender o robalo -, mas acho que não. É feita na panela, está bom que é de barro, mas não é um caldeirão. E é, como já disse, receita básica. Só montar as camadas e esperar cozinhar.
Para sobremesa, uma chance de usar o defumador, sempre guardadinho lá no canto do armário. Maçãs defumadas, num incrível toque de canela. Para quem não tem defumador em casa, é só usar uma panela, uma grade em cima e dá tudo certo.
Quer conferir as receitas? Então vamos lá.
Ostras na gelatina
1 dúzia de ostras vivas
250g de caldo de ostra
(caldo de peixe, para completar, se necessário)
1,2g de Ágar-Ágar
Sal grosso (para a apresentação)
Pimenta dedo-de-moça
Cebola roxa bem picada
ciboulette
Flor de sal
Preparo
Abra as ostras com cuidado e deixe escorrer a água em uma tigela. Ajeite as ostras em meia concha sobre uma camada de sal grosso e reserve na geladeira.
Coloque o caldo da ostra em uma panela (se for necessário, complete o peso sugerido com o caldo de peixe) com o Ágar-Ágar e mexa até começar a ferver. Deixe esfriar um pouco (só um pouco, porque ele endurece muito depressa).
Arrume pedacinhos de pimenta dedo-de-moça, rodelinhas de cebolinha, pedacinhos de cebola roxa e a flor de sal sobre as ostras. Despeje cuidadosamente o caldo gelatinado por cima, até o limite que cada cavidade da ostra permitir.
Leve à geladeira e reserve.
Rendimento: 4 porções.
Peixada guaratubana com pirão de farinha d’água
Ingredientes
1 kg de posta ou filé alto de peixe (robalo, côngrio ou assemelhado), em pedaços
3 tomates em rodelas
2 cebolas em rodelas
1 pimentão (amarelo ou vermelho) em rodelas
1 limão
Sal e pimenta-do-reino (moída na hora, de preferência)
Azeite de oliva
Folhas de coentro
Preparo
Tempere o peixe com sal, pimenta e suco de limão.
Numa panela de barro (pode ser outra, mas não dá o mesmo efeito), faça no fundo uma camada de rodelas de cebola e regue com azeite de oliva.
Dali em diante, alterne com pedaços de peixe, pimentão, tomates e mais cebola. Até chegar ao topo da panela, de preferência, com as cebolas.
Arrume por cima as folhas de coentro e leve ao fogo médio, deixando aquecer e cozinhar por uns 20 minutos (não precisa pôr agua, pois cebola e tomate soltam líquidos).
Desligue o fogo, deixe descansar por uns 5 minutos e sirva em seguida.
Rendimento: 4 porções.
Maçãs defumadas na fumaça de canela
Ingredientes
2 maçãs cortada em pétalas
Açúcar a gosto
2 pedaços de canela em pau
Canela em pó
Serragem de macieira
Preparo
Coloque a canela em pau sobre a serragem, dentro de um defumador ou na panela.
Corte as maçãs em pétalas e disponha os pedaços sobre a grelha, quando a madeira já estiver liberando fumaça. Deixe por cerca de 10 minutos ou até quando a fruta começar ficar dourada.
Retire e despeje açúcar por cima, passando o maçarico para formar uma crosta. Polvilhe a canela e monte as pétalas no prato, com uma bola de sorvete no meio.
Rendimento: 2 porções.
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