Já deve ter acontecido com você também. Sabe aquela de se programar para cozinhar um prato para o almoço de domingo, mesa cheia, expectativa, daí sair para as compras e voltar com outro? Com outros ingredientes ou pelo menos algumas variações.
Pois foi o que me ocorreu dia desses.
Fazia tempo que queria fazer. Estava ensaiando e apenas aguardando o tempo dar uma refrescada. Daí o serviço de meteorologia anunciou: vai cair a temperatura no fim de semana. Pronto, havia chegado a chance de fazer a Vaca atolada que havia planejado.
Sabe o que é, né? Aquele prato consistente, que junta costela de boi cozida e mandioca e por si só já é uma refeição completa. Só que eu estava com uma ideia que daria um up na receita: ora-pró-nóbis. Sim, tenho uma plantação lá no latifúndio e estão agora em plena produção. Inclusive dando flores, o que nunca tinha visto antes. Os mineiros usam ora-pró-nóbis pra compor com carnes refogadas, principalmente de aves e suínos. Colocam apenas no fim, depois de o prato pronto.
Comecei os preparativos. Na sexta-feira fui ao Mercado Municipal fazer a encomenda para o Dielson Shilipacke, no Espaço Angus Prime. Tudo Ok para uns dois quilos e pouco de costela para refogar? Claro, tem se sobra, fique tranquilo, pode vir buscar na boa.
No sábado eu fui. E não tinha. Como assim? Putz, meu pai (Almir, do açougue Pé de Boi, também no mercadão) veio aqui e pegou toda a costela para abastecer uma churrascaria que estava com falta no estoque.
Só tinha sobrado costela sem osso. Uma bela manta, mas desossada. Não daria certo, pois o que dá sabor marcante a qualquer cozido é justamente o osso.
E agora? Quando já conjecturava ir a outro açougue, lá longe, comprar a carne, ele mesmo me apresentou uma sugestão: e se você também levar alguns pedaços de tutano (o osso interno do ossobuco) para o osso dar o efeito de sabor?
Como não sou nada ortodoxo nas coisas que faço, imaginei que até poderia dar certo. E topei a parada. Então que seja com o osso alheio, pois a carne, de qualquer maneira, será cortada em pedaços mesmo. Comprei.
Já era a segunda modificação em relação à receita original. Na hora me veio um desses programas do chef Claude Troisgros, no qual ele tem de repetir a receita de uma pessoa, mas só pode alterar três ingredientes. Fosse ele aqui, já tinham dois. Aí fui ao terceiro, trocando a porção de água recomendada por caldo de legumes. Tudo em nome de melhor sabor.
No domingo foi só alinhar, montar a mise en place e começar a cozinhar. Foi na casa de minha mãe e, como tanto ela quanto eu temos panelas de pressão não muito grandes, o jeito foi dividir o cozimento em duas panelas juntas. O que deu certo e tudo funcionou corretamente.
Quando estava tudo pronto, espalhei as folhas de ora-pró-nóbis e servi, com as folhinhas crocantes chamando a atenção (e aqui a dica: tanto quanto o quiabo, ora-pró-nóbis solta baba com muita manipulação, devendo não se tocar mais nas folhas a partir do instante em que são colocadas na panela).
A Vaca atolada estilizada foi à mesa com acompanhamentos simples: arroz e principalmente uma farinha de mandioca crua – de Morretes, claro.
Ah, sim, e ainda deu pra comer o tutano com uma colherinha. Incrível!
Ficou tão interessante que reproduzo a receita abaixo.
Arrisque fazer aí.
Bom apetite!
Vaca pelada atolada com ora-pró-nóbis
Ingredientes
3 kg de costela bovina desossada
2 kg de tutano bovino
½ de xícara de farinha de trigo
4 cebolas picadas fino
4 dentes de alho descascados
4 tomates sem peles nem sementes, picados
2 colheres (sopa) de vinagre
2 litros de caldo de legumes
4 colheres (sopa) de óleo
1 ½ kg de mandioca descascada e cortada em rodelas
folhas de salsinha fresca
60 folhas de ora-pró-nóbis
Preparo
Numa tigela grande, tempere as costelas com sal e pimenta-do-reino. Salpique a farinha de trigo e misture.
Leve uma panela de pressão (das grandes ou divida em duas pequenas) com o óleo ao fogo médio. Quando aquecer, frite as costelas e os tutanos, até dourarem por todos os lados. Faça aos poucos, sem amontoar no fundo da panela, para que não criem água, para garantir o dourado. Retire da panela e reserve.
Refogue a cebola na mesma panela. Regue com ½ xícara de água e raspe bem o fundo da panela. Junte os tomates, o vinagre e cozinhe por 5 minutos. Retorne as costelas à panela e regue com o caldo. Tampe a panela e assim que chiar, cozinhe por 35 minutos.
Desligue o fogo e, quando toda a pressão sair, abra a panela. Aguarde a pressão sair ao natural, sem forçar a abertura nem colocar sob água fria.
Adicione a mandioca e – se necessário – complete com 2 xícaras de água. Deixe cozinhar por 20 minutos, mexendo de vez em quando, para o fundo não queimar.
Na hora de servir, distribuía por cima as folhas de salsinha fresca e as de ora-pró-nóbis.
Rendimento: 8 porções.
=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=
Entre em contato com o blog:
Blog anterior: http://anacreonteos.blogspot.com/
Twitter: http://twitter.com/AnacreonDeTeos
E-mail: a-teos@uol.com.br