Carol Nery, especial para a Gazeta do Povo
Um dos principais polos produtivos de cerveja artesanal do país, a região de Curitiba tem 26 cervejarias, mas nem todas têm uma fábrica para a produção de seus rótulos. Parte delas usa a capacidade ociosa de terceiros, como em um contrato de aluguel, para viabilizar o produto. É o caso de marcas locais conceituadas no cenário nacional, como a DUM, a Fucking Beer e a Morada Etílica. O modelo de negócio ficou popularmente conhecido como “cigano”, termo criado pelo dinamarquês Mikkel Borg, dono da marca Mikkeller, produzida em vários países. Alguns cervejeiros julgam o termo pejorativo e preferem chamar as cervejarias de “colaborativas” ou “associadas”.
Mesmo para uma produção considerada pequena, de 30 mil litros por mês, uma marca que queira manter a própria fábrica precisaria desembolsar pelo menos R$ 1,5 milhão, dizem os especialistas no ramo. Enquanto isso, uma cervejaria “cigana” pede um investimento inicial que pode ser dez vezes menor ou mais. Uma grande vantagem para quem quer experimentar o mercado e a aceitação do público. “É um modelo inicial para testar a marca e viabilizar o produto. Muitas `ciganas´ nascem e morrem nesse processo experimental”, afirma o cervejeiro Anuar Tarabai, proprietário da Fucking Beer e diretor de marketing da Associação das Microcervejarias do Paraná (Procerva).
O renascimento da cultura cervejeira no Brasil aconteceu há pouco mais de 20 anos, lá por 1995, com a abertura de algumas fábricas modernas artesanais, como a gaúcha Dado Bier e a paulista Colorado (adquirida pela gigante Ambev em 2015). Mas o movimento pegou fogo mesmo há cerca de dez anos. Nessa caminhada, a produção da região de Curitiba ganhou muito destaque e hoje a cidade é um dos polos da cerveja artesanal no Brasil.
Nesse passado não muito distante, alguns cervejeiros começaram a produzir cervejas caseiras sob contrato, o chamado contract brewery, que influenciou o que convencionou-se chamar de modelo cigano no Brasil, explica o consultor e sommellier de cervejas Luís Celso Jr. O especialista explica que este conceito de contract brewery nasceu e foi adotado pelos norte-americanos nas décadas de 1960 e 1970, quando houve um resgate da cultura que havia sido esquecida no começo do século 20. “Que é exatamente o movimento que o Brasil está vivendo nos últimos anos e tem ainda muito espaço para crescer, mas que nos Estados Unidos já perdeu bastante força.”
Cervejaria quer “ciganear” por todos os estados do país
A curitibana Buddy Brewery, dos sócios Diogo Del Corso e Eduardo Carrano, entrou no concorrido mercado em 2016 e neste início produz seus quatro rótulos, em um total de 7 mil litros por mês, na ex-cigana Ignorus, que inaugurou fábrica própria em maio deste ano, em Colombo, na região metropolitana. Em 2017, a marca faturou R$ 560 mil, atuando em 88 pontos de vendas no Paraná e mais 4 em São Paulo. Este ano, ela está em 150 pontos nos dois estados e estima um crescimento na ordem de 25%.
A ideia, a partir de 2019, é ciganear em cada um dos estados brasileiros. A marca negocia com duas possíveis fabricantes de São Paulo e tem mais um estado no radar – Minas Gerais ou Rio de Janeiro – para o ano que vem, com a intensão de dobrar a produção com as novas fábricas. A cervejaria quer ainda atuar em parceria com produtores locais, para otimizar a receita, com economia em tributação e logística. “Estimamos, por meio de estudos, uma economia de 15% a 25% com custos não somente de envio de material, mas com transportadora e logística reversa, como barril que precisa ser recolhido”, revela Del Corso.
O custo das cervejas Buddy Brewery, que varia para cada estilo, gira em torno de R$ 11 por litro, com imposto já embutido – no Paraná, que tem um dos mais elevados do país, ele é de 29%, contra 12 de São Paulo e Santa Catarina, por exemplo. O produto é vendido para o ponto de venda entre R$ 14 e R$ 18 o litro.
A margem de lucro fica em torno de 20% a 30%. “É bem justa, que deve-se trabalhar em escala. Mas o problema do cigano é que ele não consegue fazer em quantidade muito grande. Uma produção de 7 mil litros para uma cervejaria é pequena, mas nossa ideia é crescer pouco a pouco, sem ânsia de ter uma empresa grande amanhã”, afirma Del Corso.
Para melhorar a soma, a marca aposta em uma linha de vestuário e acessórios, como camisetas, bonés, moletons e meias. “Ajuda não somente a fixar a marca, mas na questão de liquidez de margem maior, entre 40% e 42%.”
Com cinco anos de mercado e em cerca de 300 pontos de vendas em todo país, a premiada Fucking Beer tem toda sua produção feita pela Gauden Bier, com fábrica em Santa Felicidade. Ela e as demais cervejarias que ocupam o espaço da fábrica para produzir seus rótulos, atuam em um modelo que classificam de cervejaria colaborativa. Paga-se um percentual sobre a bebida em troca da produção das bateladas.
“Como consequência o meu produto encarece. O lado positivo, porém, é que não tenho investimento de fábrica. Para fazer uma pequena, que daria conta de produzir até 30 mil litros, gastaria ao menos R$ 1,5 milhão. Além de um investimento alto, é demorado. Não se abre uma fábrica em menos de um ano e durante esse tempo é preciso arcar com todos os custos”, justifica o proprietário Tarabai.
Por questões contratuais, ele não informa números de produção, assim como faturamento e margem de lucro. O empresário, no entanto, revela que a Fucking Beer tem a meta de crescer 20% ao ano, considerando o mercado recessivo.
Ex-cigana dobra volume em fábrica própria e aluga espaço a outras cinco cervejarias
Receber uma cervejaria “cigana” é também um ótimo negócio do ponto de vista das fábricas. “Elas têm uma venda garantida e não precisam se preocupar com a comercialização dos rótulos, que é toda por conta do dono da receita. Tem cervejaria que abriu agora e tem espaço ocioso, porque não consegue usar todo o equipamento”, comenta Tarabai.
É o que está fazendo a Ignorus, que deixou de ser cigana e apostou em uma nova fase, produzindo em casa própria e cedendo os tanques ociosos da recém-inaugurada fábrica para a produção cervejeira de marcas como Cão Véio, Masmorra, Buddy Brewery, Fumaçônica e Deash. Elas são responsáveis por 30% a 40% do faturamento da cervejaria Ignorus, que cresceu três vezes após abrir a fábrica.
Em agosto, somou um volume de R$ 70 mil e pretende chegar aos R$ 150 mil ao mês no final de 2019. Ao todo, são produzidos 16 mil litros por mês, contando as bateladas da própria Ignorus. Há capacidade ainda para mais 6 mil litros, segundo o sócio-proprietário Marcelo Popi.
A Ignorus chegou oficialmente ao mercado em dezembro de 2015, já premiada. Em 2012, ganhou o 1º Concurso Paranaense de Cerveja Feita em Casa e em 2014 o 1° Concurso Sul Brasileiro de Cerveja Caseira, ambos com a Mutum Cavalo. Enquanto cigana, foi “inquilina” da cervejaria Bonato, localizada no bairro Umbará, onde se produziam 2 mil litros até julho de 2017.
Com o crescimento foi preciso mudar e a cervejaria passou quase um ano na Way Beer, em Pinhais, na região metropolitana, com o dobro da produção, até a inauguração da própria fábrica, há quatro meses. “A intenção inicial era ser cigana, mas a demanda começou a crescer e as cervejarias não conseguiram mais nos atender”, conta Popi.
A marca tem seis rótulos e precisava dobrar o volume novamente para poder atender aos cerca de 100 bares em Curitiba e região. Quando sobra, o líquido segue viagem para o interior do Paraná, a cidades como Cascavel, Ponta Grossa, Londrina, Foz do Iguaçu, Toledo e Maringá. Para manter a competitividade, a intenção é lançar um novo rótulo a cada mês.