Diferentes cortes no estilo “lenhador” estampam um quadro pendurado por Marcos Vinicius Marchioro na parede de seu primeiro negócio. A barbearia estilo “hispter” cobra acima de seus concorrentes mais próximos. Mesmo assim, clientes de toda a região metropolitana se debandam até o Tanguá para cortes de cabelo e barba.
O Tanguá fica no final de uma linha reta, que se estende por mais de cinco quilômetros até a paróquia das Mercês, em Curitiba. O bairro tem uma vida própria. É vizinho do Pilarzinho, mas não pertence a Curitiba. Do ponto de vista administrativo, fica em Almirante Tamandaré — cuja prefeitura fica distante mais de 10 quilômetros. E seus comerciantes querem aproveitar este “bairrismo” local.
O método escolhido foi um cartão de fidelidade. A cada dez compras de R$ 20 os consumidores concorrem a um prêmio em dinheiro. O valor é quase simbólico: 15 números de R$ 50 vão ser sorteados em uma festa do bairro. O detalhe é que não basta fazer uma compra de R$ 200 para completar uma cartela. Os moradores devem coletar assinaturas de 10 estabelecimentos diferentes.
“A gente estava enfrentando um problema de evasão comercial por ser muito próximo de Santa Felicidade, do Pilarzinho. Criamos este cartão para os moradores conhecerem o comércio local”, conta Wallison Romero, idealizador da iniciativa. O projeto foi gestado no tecnólogo em Gestão Pública que Romero cursa, na Universidade Federal do Paraná. “É um tipo de economia solidária: um ajuda o outro e eles compartilham o comércio”.
A aproximação entre os comerciantes foi imediata. Muitos deles sequer conheciam uns aos outros; e, com o cartão; assumiram uma postura de missionários.
A fidelização de clientes com prêmios e cartelinhas não é um tema novo. Nos últimos meses a tática virou febre entre os grandes varejistas, em especial supermercados. No Extra, o tíquete médio (valor gasto por compra) dos clientes mais do que dobrou depois que que a empresa passou a distribuir selos que podem ser trocados por facas de cozinha.
Só nos quatro primeiros meses, de julho a agosto, a rede distribuiu 183 milhões de selos e 900 mil facas. Reportagem da Gazeta do Povo mostra que surgiu até um mercado paralelo na internet, com venda de selos por fora da promoção
Já na promoção do bairro Tanguá, a existência de ferramentas para quantificar o impacto direto da campanha no aumento de clientes é um pouco mais limitada, já que são diferentes comércios e não há um controle tão rígido das vendas. Existem as impressões. E parece haver um consenso de que a experiência é positiva (os clientes perguntam do cartãozinho, dizem).
Consumo local
Outra unanimidade é o gosto do morador tanguaense por consumir produtos locais. “Nós temos uma cultura própria e grande parte da população tem como referência Curitiba, já que o Centro de Tamandaré é muito distante”, conta Augusto Luiz de Lima morador do bairro há mais de 30 anos.
É uma realidade que se repete Brasil afora, e que tem razões culturais — mas também logísticas. Em lugares afastados dos centros, onde residem as classes C, D e E, os pequenos comércios locais costumam ser uma opção para compras práticas do dia a dia.
“A gente tem problemas sérios de transporte nas grandes cidades. Às vezes a pessoa utiliza um transporte público ou uma moto [para se locomover] e, para ir num hipermercado, [só compensa] se ela tiver que fazer uma compra muito grande”, avalia o analista do Sebrae nacional Luiz Claudius Leite, que coordenou os projetos de varejo alimentar no órgão até o início deste ano.
O Sebrae estima que o Brasil tenha mais de 400 mil minimercados de bairro. São comércios pequenos, com até quatro caixas e um faturamento limitado a R$ 4 milhões por ano. Uma parcela considerável ganha bem menos do que isso: um quinto são microempresas e oito em cada oito fatura mais do que R$ 5 mil em um mês. São estabelecimentos que sobrevivem das pequenas compras diárias. Dificilmente o ticket médio passa de R$ 60.
No Super Gula do Tanguá, o iogurte é a grande estrela. “O pessoal muitas vezes deixa para comprar aqui porque sabe que é mais barato”, conta Caique Carneiro. Sabendo desta preferência, ele sempre faz encomendas maiores dos produtos para os fornecedores, de forma que consegue preços mais em conta no atacado, o que repassa para os consumidores.
Um dos itens mais vendidos é um leite fermentado de quase um quilograma, que muitos clientes aproveitam em drinks e combinações alcoólicas. Carneiro também fica de olho em promoções. Produtos próximos do vencimento chegam com valores muito abaixo da tabela, por exemplo.
Desde que Carneiro assumiu o negócio, em 2016, o fluxo de clientes só cresceu. Ele e o sócio criaram as seções de mercearia e açougue, e são otimistas com o crescimento do fluxo — fruto do cartão fidelidade. O sorteio vai ser no dia 6 de outubro, na festa Primavera, que deve reunir agremiações de todo o Tanguá, como grupos de igreja e de escolas.
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