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Realidade virtual e aumentada, metaverso, são temas que a princípio parecem mais ligados ao mundo dos jogos eletrônicos do que à indústria automotiva. Não é assim no Complexo Industrial Ayrton Senna (CAS), em São José dos Pinhais, a sede da Renault no Brasil. Algumas das inovações digitais desenvolvidas com essas tecnologias por lá vêm sendo adotadas em outras fábricas da montadora mundo afora, o que tornou a unidade industrial paranaense uma referência de inovação dentro da chamada Indústria 4.0.
E uma das soluções que seguem nessa linha de inovação é o chamado Digital Twin, criado na CAS em parceria com pesquisadores de universidades paranaenses, a Fundação Araucária e a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep). O projeto, desenvolvido em São José dos Pinhais e exportado para outras unidades da Renault, cria uma réplica da fábrica no mundo virtual, o metaverso. É um “gêmeo digital” da unidade industrial, como detalhou o coordenador de Engenharia de Processos da Renault América Latina, Saulo Blan dos Santos.
Em entrevista à coluna, o coordenador explicou que a ideia original era descobrir como agregar valor e gerar economia por meio da digitalização da unidade industrial. Esse sistema digital replica os mínimos detalhes do CAS no ambiente virtual, e permite uma integração baseada na troca de dados e interação a distância, por meio de conexões digitais virtuais.
“Hoje, por exemplo, há um time de gestão high level que precisa fazer uma visita ao chão de fábrica. Isso em breve poderá ser feito dessa forma conectada. É possível fazer essa gestão da área 24 horas por dia, receber os alertas 24 horas por dia, independentemente de onde os membros dessa equipe estejam, no Brasil, no Japão, na França, não importa. Os dados estão todos integrados em nuvem, disponíveis para conexão em qualquer lugar do mundo”, explicou.
O Metaverso Industrial da Renault, do qual o CAS faz parte, integra mais de 8,5 mil equipamentos de todas as linhas de produção da montadora. É assim também com os dados da cadeia de fornecedores, 100% monitorados em tempo real dentro do multiverso do grupo, que controla digitalmente 90% dos fluxos de abastecimento do grupo.
Com toda essa integração de dados, o sistema de inteligência artificial consegue avaliar previsões de vendas, analisar pontos da área de qualidade e cruzar essas informações com outros fatores, inclusive previsão do tempo e situações do trânsito no entorno da CAS, para desenvolver cenários preditivos.
Operadores estão sendo treinados em realidade virtual
Investimentos recentes anunciados pela Renault para o CAS, na casa dos bilhões de reais, vão possibilitar a instalação de uma nova plataforma de produção, a CMF-B, e a fabricação de um novo modelo de SUV e um novo motor 1.0. Os novos equipamentos de montagem desses novos produtos ainda não foram instalados no complexo, mas já há operadores sendo treinados e capacitados para essas novas linhas de montagem. Isso vem sendo possível com o uso de sistemas de realidade virtual.
Dentro das fábricas há unidades de aprimoramento das habilidades dos operadores, os “Skill Training Centers”. É ali, com o uso de equipamentos parecidos como os que guiam jogadores de videogame por mundos fantásticos, que os trabalhadores começaram a se capacitar para produzir o novo carro, ainda em condição de segredo industrial.
“Isso é algo que seria impensável há alguns anos. Dentro de um processo industrial tradicional, esse treinamento só ocorre após todos os equipamentos estarem disponíveis. Agora não, nossos operadores já estarão habilitados, treinados e capacitados para começarem a trabalhar nesses novos produtos a partir do momento que os equipamentos estiverem instalados. É um ganho de tempo considerável, e também garante a segurança dessas pessoas, que poderão cometer erros dentro desse ambiente virtual sem que isso gere qualquer dano”, pontuou o gerente industrial da Renault para a América Latina, Fabiano Silva.
Realidade aumentada também está presente na linha de produção
Em outro salto de inovação, os operadores da linha de montagem da Renault no Paraná também contam com dispositivos de realidade aumentada. O equipamento permite que o gestor veja, em tempo real, exatamente a mesma coisa que o operador. Dessa forma, é possível a esse gestor fornecer um retorno imediato a qualquer situação que ocorra na linha de produção, sem a necessidade de estar presente fisicamente no chão de fábrica.
“Essa espécie de óculos conta com uma câmera que transmite as imagens de forma ao gestor ver o que o operador vê. Como tudo está integrado, outros dados também são transmitidos ao gestor, e tudo isso é retroalimentado no sistema, na nuvem. Não é à toa que a Renault do Brasil é a fábrica do grupo que mais trafega dados dentro do sistema integrado”, revelou Fabiano Silva.
A importância da adoção desse tipo de tecnologia, explicou o gerente, é possibilitar a correção de situações que antes levavam muito tempo até serem descobertas. “Esse sistema de realidade aumentada, assim como as telas interativas às quais os operadores têm acesso na linha de produção, parecem algo simples. Mas isso significa que agora eles, operadores, podem interagir com o sistema. Eles informam qual é o carro que estão montando. Se eles têm alguma dificuldade ou mesmo se ocorre algum problema, eles podem reportar aos gestores. Antes não era assim. Situações que só eram descobertas na inspeção final, ou pior, por feedback de clientes, agora são resolvidas já na linha de produção”, comentou.
Peças para as fábricas são impressas em 3D dentro do próprio complexo industrial
Algumas das peças desse novo SUV já estão sendo produzidas pela CAS, mas não em escala industrial. Em visita ao laboratório de impressão 3D da unidade, a coluna teve acesso a uma das partes desse novo veículo, fabricada ali mesmo, pelas impressoras 3D.
Alexandre Larsen, coordenador de Engenharia de Processo no CAS, atendeu a coluna em meio à produção de uma manopla que deve ser usada nos equipamentos de montagem dos carros da Renault no Paraná. Ele ressaltou a importância de poder criar, “dentro de casa”, soluções que de outra forma dependeriam de diversos fatores externos.
“Tivemos uma situação em que uma determinada peça quebrou dentro da linha de montagem. Fizemos contato com o fornecedor, que nos deu um prazo de entrega inviável. Nossa equipe fez as medições e a modelagem da peça no computador, e em poucos dias tínhamos peças sobressalentes. Isso gera uma economia substancial em toda a cadeia de produção, mesmo sendo algo relativamente pequeno”, avaliou.
Uso de tecnologias digitais gera R$ 4 bi de economia ao Grupo Renault
E economia na linha de produção é uma das metas do Grupo Renault com o uso das tecnologias digitais da indústria 4.0. Integrada a esse sistema desde 2016, o grupo, como um todo, atingiu um ganho de 780 milhões de euros em economia – algo em torno de R$ 4,2 bilhões. Até 2025, a meta da montadora é alcançar 260 milhões de euros em economia nos estoques, redução de 60% no prazo de entrega dos veículos e de 50% da pegada de carbono na produção dos veículos.
“Nosso diferencial é a velocidade. Quando falamos de inovação, isso envolve nossa equipe de engenharia, nosso presidente, o diretor da fábrica, até os operadores. Inovação não é só tecnologia. Tecnologia é algo que se pode comprar. O importante é como se usa essa tecnologia, de forma a isso fazer sentido e agregar valor para as pessoas”, completou Fabiano Silva, gerente industrial da Renault para a América Latina.