Você usa roupa de brechó? Pois parece que o hábito crescente é mais do que uma tendência. O nicho de second hand [roupa de segunda mão, em tradução livre] veio para ficar. É o que mostra uma pesquisa da empresa americana THREDUP, que conta que em 2028 o mercado de roupas usadas vai ultrapassar o de fast fashion, que ainda domina o modelo de varejo. É de olho neste novo desenho de negócio, aliado a preocupação com o consumo mais consciente, que a empresária curitibana Luanna Toniolo Domakoski criou a TROC.
O investimento na ideia custou quase R$ 1 milhão, aplicados desde 2016. Mas já tem trazido bons resultados. A TROC é hoje o maior brechó online do país. São mais de 4 mil peças usadas recebidas por mês - armazenadas em um barracão em Curitiba. Pela loja virtual, são comercializados quase 6 mil produtos a cada trinta dias. A empresa fechou maio com mais de 2 mil pedidos, entregues em todo o Brasil. E tem opções para todos os bolsos, de R$ 20 a R$ 15 mil.
Padrão de qualidade
Hoje, a TROC tem mais de 4 mil “lojinhas” ativas no seu site – que são as páginas internas onde qualquer pessoa pode se tornar um vendedor. O brechó online recebe as mercadorias - e, inclusive, paga por essa logística de entrega - e todas passam por um controle rígido de qualidade.
“A curadoria é o diferencial da TROC, as nossas peças não tem vestígios de uso”, explica Luanna.
Em uma conversa por telefone, a empresária contou ao Paraná S/A sobre os desafios e os próximos passos da empresa, que busca ser a maior “resolvedora da questão de roupas usadas da América Latina”, atuando, também, como um "selo verde" para grandes varejistas, visto o know-how adquirido na empreitada. A TROC tem, atualmente, 38 funcionários. Confira a entrevista.
Qual foi o clique para começar a empresa?
Eu sou advogada por formação e não pensava em trabalhar com moda. Foi quando, em 2016, eu saí do Brasil e morei nos Estados Unidos. Lá, fiz o curso de Gestão em Marketing em Harvard. Eu não consumia roupa de brechó na época. Mas a minha visão sobre a questão do consumo mudou. Quando voltei para o Brasil [em dezembro do mesmo ano] e decidi que ia empreender, a questão do second hand fez todo o sentido para mim.
Já no Brasil, como foi tirar a ideia do papel?
Começamos a desenhar o produto ainda fora do Brasil, com o respaldo da universidade, repensando a questão do consumo. De volta, em dezembro de 2016, no dia 1 no país, já contratamos um desenvolvedor. E fomos para a rua fazer avaliação de público, com prancheta na mão, anotando tudo. Passamos dias em shopping centers, em padarias, mercados, analisando o comportamento das pessoas.
Tudo para tentar validar as nossas hipóteses: será que as pessoas estariam dispostas a vender as suas roupas? E a comprar roupas usadas? Como seria a aceitação disso? Ainda mais em um mercado como Curitiba, que tem um público tão exigente. Dados em mãos, era a hora de arriscar. Produzimos um vídeo com algumas amigas, onde falávamos sobre as roupas usadas e incentivávamos as pessoas a nos enviarem as suas, que não usavam mais. A ideia era que o viralizasse. Mandamos por WhatsApp. O retorno foi imediato. A minha casa virou um brechó. Ou seja, identificamos o problema: todo mundo tem roupa a mais, quer se desfazer delas de alguma forma e, claramente, não usa grande parte daquilo que está no seu guarda-roupa.
Qual a maior dificuldade desde o começo da empresa?
Hoje em dia se fala muito em time, em cultura dentro da empresa. E isso faz toda a diferença. As pessoas que trabalham com a gente precisam entender o propósito do negócio e compartilhar dele. O nosso propósito é ter consciência sobre o consumo e acreditar no mercado de roupas de segunda mão. Eu, Luanna, acredito muito. E olha que até pouco tempo atrás, antes de criar a TROC, eu não usava roupa de brechó. Comecei a consumir a partir do momento que eu descobri esse business, e esse aprendizado ficou enraizado em mim. Quero compartilhar.
Qual o público da TROC, quem vende e quem compra?
Todo mundo pode vender na TROC. Identificamos um público que tem roupa demais e que não tem tempo e nem disposição para lidar com aquela roupa que não usa mais ou que não quer mais.
Sobre quem compra, conseguimos enxergar um nicho dividido em três pilares: ou a pessoa é fashionista, gosta do nosso estilo; ou é porque busca uma oportunidade de preço – a TROC sempre vai oferecer um preço, até, 80% menor do que uma roupa de uma loja tradicional; ou chega até nós pelo viés do consumo consciente. As vezes as três coisas ao mesmo tempo.
Como as pessoas conhecem a TROC?
A gente esperava que as pessoas quisessem comprar roupas usadas. E precisávamos espalhar essa notícia. Investimos nas redes sociais – hoje o nosso Instagram tem mais de 200 mil seguidores. É a nossa principal mídia social.
No começo, também entramos em contato com algumas influencers, que tivessem o mesmo propósito que a gente. Na primeira aposta já sentimos um boom de alcance e uma conversão bem positiva em vendas. Aí resolvemos arriscar mais e chamamos a Gabriela Pugliesi [blogueira fitness com mais de 4 milhões de seguidores] para uma parceria. Ela vendeu em uma hora 130 peças, foi quando pensamos que estávamos no caminho certo. E a Gabriela indicou uma amiga, que indicou outra e é um corrente de influência. A Pugliesi mesmo já teve umas sete lojinhas dentro da TROC.
Qual o diferencial da TROC se comparada a outros brechós online, como o Enjoei, por exemplo?
O nosso maior diferencial é ter a responsabilidade pelas peças desde o momento que elas chegam aqui. A gente fotografa, mantendo um padrão de qualidade, e também nos responsabilizamos pela entrega da mercadoria para quem comprar.
A curadoria é outro diferencial, quem compra na TROC sabe que vai adquirir um produto em perfeito estado, sem bolinha, zíper funcionando, botão no lugar. Neste trabalho de e-commerce a gente trabalha com recorrência, o cliente volta se gostou, e tem voltado.
Como funciona essa curadoria das peças?
Temos uma lista de marcas aceitas, são mais de 1 mil, desde Zara, Forever 21, até grifes. Temos também uma política de qualidade na qual as peças não podem ter qualquer marca de uso. Para ver se passar no nosso teste, costumamos brincar de fazer a seguinte pergunta: você daria essa peça para a sua melhor amiga? Se sim, ela se encaixa com a TROC. Nosso índice de estorno é muito baixo, o que mostra que estamos no caminho certo.
E as peças que não são aceitas, o que acontece?
São dois caminhos. Ou elas retornam aos donos – neste caso o frete é por conta de quem enviou. Ou o proprietário das peças escolhe encaminhar a uma instituição social. Nós temos uma parceria de longa data com o Pequeno Cotolengo, de Curitiba, eles fazem bazares periódicos com as peças, o que contribui para a renda da entidade. São cerca de 30 caixas grandes, por semana, que acabamos enviando para eles.
Outras possibilidades ainda estão sendo estudadas, mas elas ainda não estão ativas.
Pode citar algumas?
Revenda para pequenos brechós, reciclagem, são algumas delas.
A TROC sempre foi pensada para o online?
Sempre pensamos no online pela escalabilidade [multiplicar a renda sem aumentar os custos na mesma proporção], que o negócio estivesse no ambiente que dependesse da tecnologia. Dessa forma, podemos ter centros de distribuição no país inteiro. Mas não nego que estamos pensando, sim, em apostar no ominichannel, iniciando uma integração online e física, uma espécie de loja digital, inclusive, envolvendo uma consultoria de estilo. Já fomos procurados por algumas redes de shopping para criar essas lojas tecnológicas, mas ainda não é o momento.
Como saber qual é o momento de arriscar ainda mais?
A gente trabalha sempre com muito foco aqui na TROC. Estamos no momento de nos firmarmos como o maior brechó online do Brasil. Queremos nos posicionar de uma forma que qualquer entrante neste mercado veja o nosso potencial, que vai ser difícil competir com a gente.
E quais são os próximos passos?
Buscamos ser mais do que o maior brechó online do país, mas o maior resolvedor de roupas usadas da América Latina, estamos trabalhando nisso. Queremos ser o futuro do second hand. Também buscamos ser um “selo verde”, já estamos em contato com grandes marcas de varejo – ainda não podemos abrir os nomes - que não têm o know-how que conquistamos e querem a expertise.
Queremos cada vez mais convidar as pessoas para esse movimento consciente.
E quais são os próximos investimentos?
Sobre investimentos, até o momento foi quase R$ 1 milhão. O novo round ainda não foi definido e por isso não podemos divulgar mais informações.