| Foto: Vanessa Brollo

*Fábio Galão, especial para a Gazeta do Povo.

No final de 2014, quando as nuvens da crise já estavam carregadas no céu da economia brasileira, quem teria coragem de abrir mão de um emprego estável e começar o próprio negócio? Sarah Santos, hoje com 59 anos, teve.

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“Sempre tive o artesanato como uma arte que me acompanha. Era minha segunda renda e, antes de eu ser funcionária pública, minha primeira renda quando eu estava desempregada. Como funcionária pública, eu trabalhava em áreas administrativas, financeiras, de licitações. Eu tinha a impressão de que, quando trabalhava, não via o fruto do trabalho. Fiquei assim por uns três anos. Foi difícil tomar a decisão de deixar um salário fixo e tentar algo que dava uma incerteza. Entre tomar essa decisão e profissionalizar mais (o artesanato), foi um ano. Eu bordava camisetas e passei a fazer bazares e colocar os produtos em pontos de venda. Eu ‘chutei o balde’ em dezembro de 2014”, conta Santos.

Funcionária pública durante 15 anos antes de se dedicar exclusivamente ao artesanato, ela hoje é proprietária da Cora Artesanal, marca que produz nécessaires, almofadas, luminárias e outros itens, e idealizadora da Bendita Colab, espaço que reúne loja física, coworking, salas de aula para capacitação, incubadora e aceleradora – tudo voltado para o artesanato.

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Vanessa Brollo é jornalista e a criadora do Blog Partiu Plano B, espaço onde conta as histórias de empreendedores. Foto: divulgação.

A Bendita, criada há três anos, surgiu a princípio como loja física para expor os produtos. “Para que o cliente pudesse encontrá-los fora das feiras e dos bazares”, justifica a empresária. Depois, veio a loja colaborativa, que chegou a ter 42 marcas e hoje está com 35. No coworking, os artesãos e empreendedores podem utilizar ferramentas, mesas e outras estruturas. “Tem muita gente no seu ‘plano B’, como eu, administradores, enfermeiras, gente de todo tipo de área”, relata Santos. Nas salas de aula, é oferecida capacitação em 25 a 30 cursos por mês.

A iniciativa mais recente foi a criação de uma incubadora e aceleradora de marcas de produtos artesanais, que em setembro deve lançar as quatro primeiras. “Não tem momento para empreender. Vai do seu desejo e de uma certeza interna: ‘Quero mudar o meu estilo de vida!’. Quando você sai do emprego fixo e decide empreender, muda tudo. Trabalha muito mais, mas com prazer. Ganha menos, mas tem muito mais qualidade de vida. A crise, se for analisar, é meio que permanente. Está acontecendo uma mudança no comportamento de consumo, e temos que ir nessa onda”, aponta a empresária.

Partiu Plano B

A história de Sarah Santos é um dos mais de 250 relatos do blog Partiu Plano B, mantido pela jornalista Vanessa Brollo, 49 anos, que reúne casos de gente que mudou vida e carreira ao tomar a decisão de empreender. A página teve início em junho de 2014, sempre com atualização semanal, e contabiliza mais de 1,5 milhão de acessos apenas nos últimos três anos. O canal do blog no YouTube, que veio depois, tem atualmente 6,6 mil inscritos.

A maioria dos relatos é de Curitiba e região, porém, o Partiu Plano B já apresentou histórias do Brasil inteiro. “Eu trabalhei muitos anos em TV e teve uma época em que fiz várias matérias sobre empreendedorismo. Quando comecei a trabalhar atrás das câmeras, como editora-chefe, senti falta de escrever. Foi então que tive a ideia do blog”, lembra Brollo. “O que eu me perguntava era: ‘Que coragem é essa? De onde ela vem?’. Mas aí, junto com o blog, veio a crise econômica. Passei a reunir muitos relatos de pessoas que começaram a empreender não só porque tinham um sonho, mas por necessidade.”

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A jornalista descreve que, no começo, tinha que ir atrás de histórias – “aquela coisa, buscar o relato do amigo de um amigo” -, mas hoje nem precisa procurar muito: “As histórias ‘chegam’”. “Tem muita superação no meio dessas histórias. Como jornalista, a gente se acostuma a só dar má notícia. Com o blog, vejo que as pessoas se inspiram. Elas gostam de boas histórias. Muita gente vê um exemplo de quem conseguiu e vai em frente”, comemora.

Dicas básicas

De tanto colher relatos de gente que se redescobriu ao empreender, Brollo percebeu padrões nessas histórias que podem ser resumidos em cinco dicas básicas:

1. Ame o que faz (“Não adianta ficar o dia inteiro fazendo bolo no pote se você odeia cozinhar”);

2. Se prepare para o plano B (“Faça cursos; se não gosta do seu emprego atual, aproveite o salário fixo para começar seu negócio”);

3. Teste o produto ou serviço com a família e amigos;

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4. Aprenda o básico sobre finanças (“Separe o dinheiro da casa do dinheiro do negócio e saiba cobrar pelo seu produto ou serviço”);

5. Tenha disciplina se for trabalhar em casa: “Muita gente diz que tem o sonho de trabalhar em casa, mas sem planejamento pode ser um pesadelo. Tem que ter o horário para cuidar da casa, lavar louça, estender roupa, e as horas de trabalho”.

Fazer tudo sozinho

Daniel Empinotti, 40 anos, outro retratado no Partiu Plano B, é dono da cervejaria artesanal Perdigueira, empresa que está completando um ano. Antes, trabalhou 23 anos em uma editora como executivo de vendas. “Comecei a estudar o mercado para ter um ‘plano B’. A Vanessa (Brollo) me inspirou, eu ouvia sempre a coluna de rádio dela. Eu sou a favor de fazer o que gosta. Sou apaixonado por vendas e queria continuar trabalhando com isso, mas com uma coisa minha”, diz o empresário, que buscou a mudança quando se viu numa encruzilhada na carreira. “Fiz um projeto nacional de reestruturação de vendas para a editora. Meu diretor tinha me dito que ia ‘chegar minha hora’. Aí, me avisaram que iam me terceirizar e eu pedi para ser demitido.”

Pouco antes disso, quando estava em um período de dúvidas, Empinotti já vinha se preparando para abrir sua empresa. “Já fazia cerveja em casa, levei para um mestre cervejeiro e ele falou que estava muito boa, tinha que lançar. Fiz uma viagem para os Estados Unidos, que têm as maiores brew shops (lojas de insumos para cerveja) do mundo. Visitei cervejarias, cervejeiros que produzem em casa, fiz cursos”, relata Empinotti.

O nome é uma homenagem à cachorrinha do empresário, Ronda, que é da raça perdigueira. “É um mercado difícil, tem muito aventureiro. Ainda tenho muito chão pela frente”, explica. “Tenho um planejamento. Nem tudo o que você coloca no papel se realiza, e aí você tem que mudar o rumo das coisas. Mas estou feliz. Meu planejamento é ‘estourar’ em três anos. Não tenho prejuízo, é uma estrutura enxuta. Faço tudo sozinho. Acompanho a produção na indústria, tenho barris, câmara fria, vendo tudo pessoalmente. Estou começando a fazer eventos.” A produção mínima é de 1,5 mil litros mensais, e Empinotti comemora por nunca ter vendido “um barril a menos por mês”.

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‘Só não tem medo quem não está se movimentando’

Alyne Mundt Bill, 36 anos, partiu para seu plano B há alguns anos, quando voltou de Manaus, onde morava por causa do trabalho do marido, Gustavo. “Queria fazer o que já estava fazendo, trabalhar com algo mais flexível e que envolvesse redes sociais; apesar de ser pedagoga, sempre fui muito ligada em endomarketing, nessas formas de comunicação. A (empresa) Feito Chocolate já existia e fazia brigadeiros e lembranças gourmet. As três sócias queriam tomar outros rumos, mas como tinham colocado muito sentimento na empresa, não queriam que esse perfil se desfizesse. Uma delas me procurou e perguntou se eu gostaria de trabalhar com doces. Fiz um laboratório com ela numa Páscoa e descobri que tinha muita afinidade com a área”, relata a empresária.

| Foto: Jonas Rebicki

Ela e o marido fizeram um investimento pequeno a princípio, vendendo uma moto, e num contratempo que a empresa enfrentava logo enxergaram uma oportunidade. “Era muito instável. O meu marido tem muito conhecimento comercial e me apresentou uma planilha. Uma dificuldade que tínhamos era para achar o chocolate belga Callebaut, usado nos doces. Aí tivemos a ideia de entrar em contato com a indústria para comprar diretamente”, conta. Dessa forma, em 2015 a Feito Chocolate deixou de fazer brigadeiros e lembranças e passou a atuar exclusivamente como fornecedora – principalmente de produtos do grupo belga, mas também de alguns itens acessórios.

“Tive que aprender muito, levei muito ‘tapa’, chorei algumas vezes. Eu entendia as dificuldades dos clientes, tanto na hora de comprar (o chocolate) quanto para fazer os produtos. Busquei informação e trouxe para os clientes. Isso criou um vínculo de confiança. Eles sofriam o mesmo que eu estava sofrendo”, diz Bill. “Em 2015, abrimos o primeiro ponto comercial. Deu seis meses e não cabia mais nada no estoque. Fomos para outro ponto e faltou espaço de novo. Aí viemos para o local onde estamos hoje.”

| Foto: Jonas Rebicki
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Além de vendas em Curitiba e região, a Feito Chocolate atende clientes em Santa Catarina e em outras áreas do Paraná. Em Londrina e Maringá, onde o atendimento é quinzenal, há tanta demanda que até setembro a Feito Chocolate vai inaugurar sua primeira filial, uma unidade londrinense, que também deve ter um centro técnico para cursos e treinamentos, como a matriz curitibana.

“Tem que ter coragem. Primeiramente, você tem que aprender a conviver com o medo. Só não tem medo quem não está se movimentando. E precisa saber retroceder, voltar atrás para ver por outro ângulo e enxergar melhor a situação”, aconselha Bill.