Tilápias produzidas no sudoeste do Paraná foram certificadas como pescado Halal.| Foto: Divulgação / Piscicultura Caxias
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Foz do Iguaçu vai receber entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro a 4ª Edição do International Fish Congress & Fish Expo Brasil (IFC). No evento, entre outros temas, serão abordados o cenário atual do mercado e as tendências de comércio mundial de pescados.

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Um dos destaques fica por conta da Certificação Halal, obrigatória para quem quiser entrar no mercado com quase 2 bilhões de consumidores e que deve movimentar US$ 5,74 trilhões até 2024: o público muçulmano.

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Halal é a palavra árabe que significa “lícito” ou “permitido”. Alimentos Halal, portanto, são aqueles cujo consumo é permitido pela Sharia, a lei islâmica. Há algumas regras a serem seguidas por quem busca esta certificação, e as principais são garantir a ausência de impurezas e certificar que não há traços, mesmo que indiretos, de produtos relacionados aos suínos.

Investimento em certificação se pagou na primeira exportação

Jean Carlo Kuligowski fundou a Piscicultura Caxias, em Nova Prata do Iguaçu, no Sudoeste do Paraná, em 2013. Dois anos depois surgiu o interesse em aumentar a produção e buscar capacitação para atingir mercados fora do Brasil.

A janela de oportunidade para a certificação Halal foi aberta recentemente, conta o piscicultor à coluna Paraná S/A , e o retorno do investimento já está praticamente garantido.

“Nossa capacidade de produção não era suficiente e não tínhamos uma solução de logística que levasse o nosso peixe para os grandes centros. Tivemos que fazer algumas adequações, mas que não nos custaram muito dinheiro. É mais organização do que qualquer outra coisa. No meu caso, investi algo em torno de R$ 15 mil", revela Kuligowski, que afirma já ter recuperado o investimento.

"Esse valor já se paga na primeira venda. O nosso primeiro pedido era para exportar oito contêineres por mês. Hoje produzo 100 toneladas por mês. E mesmo se tivesse como apertar um botão e passar a produzir 500 toneladas mensais de uma hora para outra já estaria todo esse volume comprometido com a primeira demanda. É um mercado muito promissor, e eu espero ter esse aumento de produção dentro de um prazo de uns dois anos”, avaliou.

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Garantia religiosa e de qualidade

A certificação da piscicultura Caxias foi fornecida pela empresa paulista CDIAL Halal. O diretor de operações da empresa, Ahmad Saifi, que vai estar na 4ªIFC em Foz do Iguaçu, explica que certificação Halal segue, em primeiro lugar, determinações religiosas. Mas, por conta da rigidez do processo, a certificação acaba sendo mais uma garantia de qualidade do produto final para o consumidor.

“Para nós muçulmanos não é nenhuma ofensa se alguém que não siga a religião consumir produtos Halal. Não é nenhum problema, e na verdade é até melhor, justamente porque essa certificação garante que a qualidade desse produto é maior do que o dos concorrentes, justamente pela atenção e pelos cuidados que a certificação exige. Muitas pessoas não muçulmanas fora do Brasil já consideram inclusive a certificação Halal um fator decisivo no momento da compra. Isso porque, mais do que um certificado religioso, o selo Halal garante que aquele produto tem um controle de qualidade superior aos demais. Na prática, as pessoas pagam mais caro por produtos melhores”, definiu.

Adequações Halal para pisciculturas são menores do que as de outras produtoras de proteína animal

Para os muçulmanos, todos os animais que vivem na água, sejam peixes, moluscos ou crustáceos, são considerados Halal. Por isso, as adequações necessárias para que uma piscicultura obtenha a certificação são menores do que a de outras proteínas animais, como aves ou bovinos, como explicou à coluna o auditor Yuri Jaruche.

De acordo com o auditor, não há uma normativa específica para peixes, e que a certificação Halal para essa proteína busca atender apenas os critérios religiosos. Basicamente, explicou Yuri, são observados fatores relacionados à genética, à nutrição e à sanidade e higiene da propriedade.

Maior preocupação é com a presença de traços diretos ou indiretos de suínos na cadeia de produção

A legislação brasileira, confirmou o auditor, não permite o uso de espécies de peixes modificadas geneticamente, cujo consumo seria proibido segundo os preceitos do islamismo. “Não há nada disso nos peixes criados no Brasil, o que nos deixa bastante tranquilos em relação a esse critério. A Embrapa nos confirmou que há apenas ações de melhoramento genético nessas espécies produtivas, o que é totalmente permitido”, disse.

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Em peixes criados em rios, explicou o auditor, a renovação e a manutenção da água dificulta naturalmente a propagação de vírus e bactérias. Já nos tanques escavados, o cuidado precisa ser um pouco maior. “Por ser uma água mais tranquila, mais parada, pode haver essa proliferação. Para haver o zooplâncton na água é preciso que haja uma fertilização. Nós não autorizamos nenhum resíduo, seja carne ou subprodutos originários de suínos na cadeia de produção de peixe. Por isso, não se permite essa fertilização com esterco suíno. Na verdade, é totalmente proibida a presença de esterco suíno na propriedade”, detalhou.

Alimentação dos peixes pode ser feita com produtos não Halal

Sobre a nutrição dos peixes, Jaruche confirmou que a utilização de farinhas de origem animal sem certificação Halal ainda é permitida, excluindo-se, por óbvio, as de origem suína. “Diferente da nutrição de aves e bovinos, onde esse tipo de alimentação é proibida, para os peixes ainda não há essa restrição. Pode-se usar quaisquer produtos de origem animal que não sejam Halal, farinhas de carne e ossos de aves, bovinos ou caprinos, sem problemas”.

A maior restrição, lembra o auditor, é nos dias que antecedem a retirada dos peixes dos tanques. Nos três dias que antecedem a despesca, disse Jaruche, é preciso adotar uma alimentação com ração verde, sem traços animais, e um período de dois a três dias de jejum. “Isso já é costume, já normal nas propriedades rurais. No total, são adequações muito pequenas para os produtores rurais. Não há nenhum outro tipo de adaptação, de adequação. O que exigimos é que se siga toda a legislação, as licenças ambientais”, comentou.

Legislação trabalhista também entra na análise da certificadora

Entre as legislações citadas por Jaruche está também a trabalhista. Além da produção dos peixes, a certificadora também busca mais informações sobre as relações entre patrões e empregados. “Infelizmente ainda existem situações onde os patrões não seguem todas as leis, pagam salários ‘por fora’ e registram os trabalhadoras por menos do que eles recebem na prática. Nós abominamos qualquer tipo de trabalho análogo à escravidão, isso é inadmissível, é Haram. Os direitos dos trabalhadores precisam ser respeitados”, afirmou.

Abate dos pescados deve ser feito de forma humanizada

No processamento do pescado, os auditores buscam garantir que o peixe não sofra em demasia no momento do abate. Por isso, explica Jaruche, há a recomendação para que os peixes não sejam mortos com o uso de gelo. “Não é uma obrigação, não é uma ordem, nós seguimos todos os procedimentos já estabelecidos pelas autoridades sanitárias. Nós estamos sugerindo que se sigam as mais recentes práticas de bem-estar animal. As tilápias são muito resistentes às baixas temperaturas, e elas demoram muito para morrer no gelo. Isso para nós pode ser visto como tortura. Se esse abate for feito por meio de insensibilização por meio de corrente elétrica e a posterior sangria nas guelras. Isso para nós seria um cenário formidável, mas é apenas uma recomendação”, reforça.

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Boa imagem do Brasil entre os muçulmanos

Dados da Embrapa Pesca e Aquicultura e da Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR) mostram que o Brasil dobrou a receita com as exportações da piscicultura no primeiro semestre de 2022 em comparação ao mesmo período de 2021. A receita passou de US$ 7,2 milhões entre janeiro e junho do ano passado para US$ 14,35 milhões no mesmo período deste ano. Em volume de exportações, o aumento foi de 14%.

A tilápia representou 98% do faturamento e 99% da quantidade de peixe embarcada nos portos brasileiros no primeiro semestre de 2022. A Região Sul é a maior produtora dessa variedade de peixe, sendo o Paraná responsável, sozinho, por 86% de todos os peixes cultivados na região. O estado é o líder de produção nacional, com 182 mil toneladas processadas em 2021.

Entre os exportadores de pescado, a Líbia ocupa a terceira posição na balança comercial brasileira, com quase 5 mil toneladas negociadas só nos primeiros seis meses do ano. As negociações seguiram a tendência identificada pela Embrapa, principalmente por conta do aumento das exportações de produtos com maior valor agregado, como os filés congelados. Somente este item registrou aumento de 544% no valor e 571% no volume exportado.

A expansão tende a ser ainda maior conforme mais produtores de pescado buscarem certificações internacionais, como a Halal. De acordo com Saifi, o Brasil já ocupa a primeira posição entre os exportadores de proteína animal Halal do mundo, graças à comercialização de frango. O pescado, ainda muito voltado ao consumo interno, pode ajudar a consolidar essa posição.

"Se as empresas entenderem mais sobre o mercado, poderão aproveitar essa onda positiva. Os muçulmanos confiam na produção de proteína animal brasileira. Eles sabem que o cuidado nesse setor é muito grande, que o rigor da inspeção federal já garante um status muito melhor do que o de outros países. Então, as portas para chegar a esses dois bilhões de pessoas já estão abertas", revelou.

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Exportação de peixes Halal está atendendo às demandas da indústria de cosméticos

Yuri Jaruche disse à coluna que o aumento na procura dos mercados muçulmanos pelos peixes, de maneira geral, se deu não só pela carne, mas também por um subproduto da cadeia de pescados: a pele dos peixes. E o destino final desse item está bem distante dos pratos.

“Muitos produtos na indústria de cosméticos usam o colágeno de origem animal em sua composição. E o colágeno mais usado vem dos suínos. As indústrias de cosméticos Halal, por sua vez, descobriram e vem usando cada vez mais o colágeno de peixe, que tem se mostrado tão bom quanto o suíno, nas suas linhas de produção. Para os piscicultores isso é excelente, porque é um subproduto que pode gerar uma rentabilidade tão grande ou até maior do que à própria carne de peixe”, avaliou.