Felipe Albuquerque, especial para a Gazeta do Povo
O pior da crise já passou, apontam especialistas. A economia do país cresceu 1,1% em 2018, segundo ano seguido de alta. O PIB (Produto Interno Bruto) em valores atuais chegou a R$ 6,8 trilhões, divulgou na última quinta-feira (28) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ainda assim, o resultado ficou abaixo da expectativa do mercado, que era de 1,3%. Analistas dizem que a culpa é da dificuldade de recuperação da economia.
O desemprego, porém, atingiu 12,7 milhões de brasileiros, também segundo o IBGE, no trimestre encerrado em janeiro, uma média de 12%, acima dos 11,7% registrados no trimestre anterior. Já na comparação com o mesmo período do ano passado (12,2%), o instituto apontou estabilidade.
Mas em meio a um cenário que ainda se recupera da retração econômica grave, há um universo de empresas, pequeno, evidentemente, que parece nadar contra a maré ao crescer de forma sustentável.
São as chamadas empresas de alto crescimento (EACs) ou scale-ups. Segundo a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), para ser uma EAC a companhia precisa ter pelo menos dez colaboradores e registrar crescimento de no mínimo 20% ao ano por três anos consecutivos.
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O estudo “Panorama das Empresas de Alto Crescimento Persistente no Brasil”, apresentado em fevereiro pela Endeavor e a faculdade Insper, com dados da Neoway, empresa de análise de big data, mapeou o cenário das empresas de alto crescimento no Brasil e identificou, a partir da análise de organizações ativas entre 2010 e 2012 e seus resultados até 2016, 16.142 EACs persistentes nas cinco regiões do Brasil. O Paraná representa 6,93% do total das mapeadas pelo relatório, líder na região Sul e o quarto em todo o país, atrás de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
O IBGE informa que o número de pessoas contratadas por EACs cresceu 172% entre 2013 e 2015, batendo na casa dos 3,5 milhões. Em 2016, cerca de 1,8 milhão de vagas surgiram em empresas que se encaixam no perfil.
A Gazeta do Povo ouviu três empresas sediadas na capital do estado para entender que ações adotaram para crescer acima dos 20% por três anos consecutivos e se posicionar positivamente em um período tenso para mercados, empreendedores e trabalhadores.
Os sócios devem esperar
Fundada em 2004 em Curitiba, a Quanta Diagnóstico por Imagem registra, segundo João Vítola, cardiologista e um dos sócios da clínica, crescimento de 500% no período entre 2008 e 2018. “Nossa média foi de aproximadamente 50% ao ano”, conta. “Estamos em um momento de expansão, de investimento”.
A empresa, que oferece exames por imagens de cintilografia, tomografia computadorizada e tratamentos para câncer de tireoide e dor óssea no câncer, passa a oferecer, a partir de agosto, ressonância, mamografia, densitometria, radiografias e ecografias por exames de imagens de todas as especialidades médicas. E no momento, amplia o espaço físico, de 2.100 m² para 2.900 m². A expectativa é aumentar também o número de funcionários, dos 120 atuais para mais de 150. O investimento real em estrutura física e pessoal programado para este ano chega a R$ 12 milhões. Somado ao lucro, os recursos foram captados também com o BNDES e em instituições financeiras privadas.
Vítola avalia que um dos ingredientes que compõe a receita do crescimento da empresa em um cenário de incertezas está no reinvestimento dos lucros na própria empresa. “Em vez de os sócios tirarem esse dinheiro da empresa e fazerem coisas nas suas vidas pessoais, nossa filosofia foi fazer reinvestimento”, informa.
Além da expansão na área física e da aquisição de novos equipamentos e investimento em tecnologia, outro elemento dessa receita, aponta Vítola, é o investimento em pessoal. “Isso não é baseado em compra de máquina, mármore e granito. É superqualificação de um profissional e especialista em nível internacional”, acrescenta.
Desde 2007, a clínica tem um acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica da ONU (Organização das Nações Unidas) e integra o Vale do Pinhão, ecossistema de inovação da Agência Curitiba de Desenvolvimento S/A e da Prefeitura de Curitiba.
Reinvestimento e novos produtos
A Documentalize também aponta o reinvestimento no próprio negócio como uma das possibilidades de manter-se em crescimento mesmo em meio à crise. No ramo da gestão digitalização de documentos desde 2015, quando abriu as portas com investimento inicial de R$ 3 mil, projeta fechar 2019 com faturamento de R$ 1 milhão.
“Nesses quase quatro anos, a gente abriu mão dos lucros dos sócios. Todo o lucro foi reinvestido na empresa, em marketing, em máquinas, na transferência de sede”, conta Guilherme Karam, sócio fundador.
A empresa encerrou o primeiro ano de atividade com R$ 120 mil de faturamento. Em 2016, saltou para R$ 280 mil e R$ 530 mil em 2017. A projeção era atingir no ano passado o sonhado primeiro milhão; não chegou a tanto, mas encerrou com R$ 650 mil, crescimento de 23% em comparação ao período anterior. Hoje, são mais de 40 contratos de prestação de serviços com clientes recorrentes.
A companhia aumentou ainda a carteira de clientes, que conta com escritórios de contabilidade e de advocacia, consultórios médicos, administradora de condomínios e cartórios, ao ganhar duas licitações, com contratos de R$ 350 mil e R$ 100 mil. O aumento da demanda levou também a empresa a contratar pessoal.
Uma das ações adotadas por Karam e seu sócio, Rodrigo Setti, foi internalizar todo o trabalho de marketing. Abriram mão de uma agência terceirizada para tocar eles mesmos todas as ações de marketing digital, o trabalho em redes sociais e o que mais envolve a divulgação dos serviços oferecidos pela empresa.
“Percebemos que gastávamos uma verba, mas gastávamos mal”, lembra Karam. “Hoje a gente gasta de R$ 3 a R$ 5 mil por mês [em ações de marketing], mas o resultado é melhor. O cuidado com as campanhas é diferente”, observa. Agora, é Setti quem atualiza as redes sociais da empresa, que cuida para não ficar para trás em relação às novas tecnologias de comunicação; o site foi reconstruído três vezes nos últimos três anos para acompanhar as inovações disponíveis. Investiram também na criação de novos produtos, como o Zipapper, tecnologia que comprime um documento, permitindo, por exemplo, que um arquivo com 100 caixas possa ser reduzido em até 50% do seu tamanho, otimizando espaço. A empresa quer patentear a tecnologia.
Com os bons resultados, a Documentalize mudou também de sede. Trocou os 80 metros quadrados iniciais pelos atuais 300 metros quadrados. O espaço se adequa melhor ao dia a dia de caixas e pilhas de documentos, matéria-prima do trabalho da companhia. Com a mudança do bairro do Parolim para o Água Verde, o aluguel da sede foi de R$ 2 mil para R$ 6 mil mensais. A empresa conta ainda com escritórios em Florianópolis e Itajaí (SC).
Inovação para resolver problemas
Já Lucas Ribeiro, sócio e fundador da Roit Contabilidade, entende que o reinvestimento dos lucros na empresa não basta para impulsionar crescimento. Para ele, é a busca por inovação, com foco em atender as necessidades do cliente, que fez com que a empresa faturasse, já em 2016, primeiro ano de atividade, R$ 600 mil e quase R$ 11 milhões no ano passado. Com sede em Curitiba, a companhia conta com 100 funcionários e outras três unidades: Brasília, Paraguai e Vale do Silício, na Califórnia.
“[Acredito] na inovação com objetivo de resolver o problema, quando eu inovo para resolver problema real do meu cliente”, sintetiza Ribeiro. “Eu invisto em um modelo diferente, em uma solução tecnológica diferente para atender a uma questão. É a inovação com foco na necessidade do cliente. Às vezes você pode resolver um problema do cliente sem [gastar] dinheiro, só mudando fluxo, inovando processo”, explica.
A Roit foi buscar na Europa um modelo de contabilidade com atendimento de 24 horas. Com o slogan “a contabilidade que não dorme”, a empresa atende e entrega em três turnos. Trabalhou por um ano para estabelecer o projeto de atendimento e prestação de serviços, e investiu pesado em marketing: foram 18 outdoors espalhados em Curitiba, mais ações de marketing digital. Os investimentos diretos e indiretos em divulgação chegaram a R$ 1 milhão.
A empresa, contabiliza Ribeiro, cresceu 700% do primeiro para o segundo ano, saltando de 12 para 70 funcionários. Hoje, são mais de 130. Já a unidade em Brasília chegou a 35 colaboradores com um ano de atividade, e em março inaugura uma nova unidade, com 800 metros quadrados.
Neste ano a empresa completa R$ 5 milhões em investimentos oriundos de resultados da própria operação, somados, também, a financiamentos bancários.
“Fizemos uma escolha de não ter investidor, que é uma máxima bem interessante, porque muita startup acha que precisa de investidor para dar certo. Na verdade, precisa ter lucro.”
A empresa precisou frear o crescimento no ano passado, lembra Ribeiro, para investir mais em tecnologia. “Investimos em soluções tecnológicas para manter boa reputação, boa entrega”, informa.
Em um período em que o desemprego voltou a crescer, o problema da Roit atualmente é a falta de mão de obra qualificada, sinaliza Ribeiro. O empresário afirma que a companhia tem aberto em média 30 vagas mensais, sem sucesso no preenchimento delas. “Não temos profissionais à altura, e aí eu não posso crescer, porque como crescer se eu não tenho como entregar?”, lamenta. Mas a expectativa de faturamento projetada para 2019 é de R$ 30 milhões.
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